… Vieram lágrimas aos olhos que decidi conter porque não ilustrariam meus sentimentos e menos ainda os pensamentos que tentavam arrancá-las de mim.
Livraria Cultura, um dos principais templos do conhecimento, da arte, da alma humana refletida em palavras e imagens gravadas em livros. Um templo moribundo, um templo sob ameaça de obsolescência.
As lágrimas, todavia, não são de tristeza pois a história nos ensina que Alexandrias podem queimar, Hipatias podem ser trucidadas, mas o conhecimento persiste, as palavras encontram caminhos retos ou tortuosos para sobreviverem ou retornarem.
Essas lágrimas sequer são de tristeza.
Antes dos primeiros sinais delas, enquanto eu atravessava o portal, digo, a estreita porta de entrada da Cultura, que se abre magicamente para a gigantesca nave central digna de catedrais, penso num paradoxo.
Como, na era da comunicação sem limites, dos graus de separação entre a produção e absorção e replicação da cultura se estreitando de seis para três, para nenhum grau de separação, é possível que não saibamos o que criar para cada um, como lhes levar a cultura que absolutamente todos anseiam cada vez mais? Não é uma crise de cultura, é uma crise de humildade, de caminhar junto e entender que todos somos editores, autores, leitores
Ah! Contudo ainda não é no lamento por essa cegueira arrogante que está a foz das lágrimas que contenho preocupado em fazer justiça a quem elas realmente se curvam em adoração.
São lágrimas do deslumbramento estético-religioso diante do sagrado. Diante da extensão extasiante da construção histórica e cultural da civilização humana. São lágrimas de amor por esse curioso acidente cósmico que chamamos de consciência, de deslumbramento diante da transformação de átomos em vida capaz de dar sentido à existência, de transformar uma rocha fadada a queimar sem vida no próximo soluço cósmico em lar potencial de vida, consciência e contemplação.
É… Eu sei que a espécie com a consciência aparentemente mais complexa do planeta, a única que foi capaz de construir uma civilização, anda sofrendo uma profunda depressão, mergulhando em “auto-desprezo” que me faz desejar por uma nova palavra para descrevê-lo em sua incrível contradição pois acreditamos em nosso amor pessoal pela vida na Terra, mas desprezamos os outros pela suposta ganância predatória. Amamos a vida, mas arrogantemente nos achamos especiais, únicos, em nosso amor. Acabamos desprezando nossa própria existência, desejando o fim da raça humana, que é a única chance de preservação da vida no universo até onde sabemos, afinal por que a próxima espécie consciente e capaz de transformar a realidade preservando a vida na Terra não haveria de cometer os mesmos erros que nós?
É… Há alguma tristeza também nas minhas lágrimas. A tristeza de ver seres tão especiais, raros e importantes se degenerando às avessas de Dorian Gray. Olhando no espelho e vendo monstros.