Eu ainda era um adolescente quando alguém decidiu fazer uma árvore genealógica da nossa família.

“Nossa! Isso parece um baobá” , foi o que pensei.

Durante a infância e a adolescência volta e meia minha mãe me dizia “Meu filho, seu primo da França morreu!” ou “Sabe seu primo fulano teve um filho lindo!”… Eu não fazia ideia da existência daqueles primos!

É uma família danada de grande! Só de primo de primeiro grau tinha tantos que não dava para enumerar, a gente sempre esquecia alguém!

Só que entre toda esta familiarada tinha uma prima em especial.

Nem sei por que era uma prima especial… Tinha outros primos com a mesma idade, tinha outros primos com interesses em comum, mas ela era especial e continua sendo (não se assuste, essa não é uma história triste cheia de perda e morte, apesar de ter uma perda e uma morte).

Passamos a adolescência juntos. Eu passava uns dias no sítio em Santa Cruz, ela passava algumas férias comigo em Cabo Frio.

Caçamos saci-pererê juntos, andamos a cavalo, acampamos muitas vezes e batíamos papo ao redor das enormes fogueiras que reuniam a família toda! Não esqueço do prazer te catar as batatas doces do meio das brasas e comer queimando os dedos…

O tempo foi passando, a gente virou adulto. Eu casei, ela também. Viajei, ela nem tanto, mas quando vimos fazia anos que não nos encontrávamos.

Muita gente pensa “Nossa… A gente não se vê faz tanto tempo! Será que vai ser estranho quando nos reencontrarmos?”, mas a gente não pensava isso e realmente parecia que nem havíamos ficado anos sem nos vermos quando nos encontrávamos na casa da nossa tia.

Nossa tia, uma de centenas, era o terceiro elemento da nossa pequena tríade familiar dentro da multidão de parentes anônimos: A tia era como mãe e nós como os filhos que ela não teve. Minha prima, minha irmã.

Um dia cheguei lá na cada da tia e lá estava minha prima, a filha dela, que tinha sido uma coisa minúscula agora sentava nas minhas costas impressionada que eu fosse capaz de fazer flexões com ela lá! Ainda bem que foi só um dia!

Passaram mais uns anos… É incrível como cabem anos em uma vida e como parecem poucos quando ela acaba…

Mas passaram alguns anos e nos reencontramos, a minha sobrinha, aquela que sentava nas minhas costas, agora uma moça enorme, de cabelo pintado de vermelho e cheia de atitude. Ainda bem que não quis sentar nas minhas costas enquanto eu fazia flexões (eu não tinha mais vinte e poucos anos!), mas ela lembrava.

Horas, como sempre, de bons papos e do prazer do reencontro.

E lá se foram mais uns dois anos. Toca o telefone meio tarde da noite. Reconheço logo a voz e sei pelo tom que algo vai mal.

Nossa tia querida estava no hospital e minha prima carregando quase sozinha (apesar do bom homem o marido dela, viu) o fardo de ter a tia mais querida internada em estado grave.

Corri até ela com a minha esposa (uma grande mulher como o marido da minha prima) até ela e lá estava aquele olhar de sempre, forte apesar de exausto e cheio daquela cumplicidade que sempre tivemos.

Por uma semana largamos tudo, tanto ela quanto eu, deixamos trabalho e família para cuidar da nossa tia que, felizmente melhorava um pouco a cada dia.

Chegou o domingo, ela acordou e pudemos tentar nos comunicar com ela por mímicas e alguns rabiscos em papel. No dia seguinte poderíamos falar com ela pois os aparelhos de respiração seriam tirados.

Eram quase 4h da manhã quando o telefone tocou e eu soube antes de atender… Do outro lado da linha só havia soluços e lágrimas invisíveis que eu praticamente podia tocar. Consegui falar com firmeza, mas desabei nos ombros da minha esposa ao desligar…

Foi um dos dias mais difíceis da minha vida… Foi um dos dias mais difíceis da vida da minha prima e irmã… Nossa! Como foi importante encontrar força e cumplicidade nos olhos um do outro no meio daquela perda enorme!

A gente supera, né? Ainda hoje volta e meia, acho que não passa nunca mais de uma semana; vejo alguém que lembra minha tia ou, do nada, lembro dela. Não é com dor, mas com saudades e logo voltam à memória as coisas que ela me ensinou… Determinação, otimismo, espiritualidade e amor pela vida.

Nós dois, os primos-irmãos, prometemos não deixar mais que os estranhos ventos metropolitanos empurrassem anos entre cada encontro nosso, mas temos falhado.

Assim são os tempos modernos… É uma torrente tão vasta de estímulos e cobranças que acabamos falhando em preservar aquela fagulha frágil de cumplicidade juvenil.

Bom, o fim de semana vem ai e já tenho compromissos para sexta, sábado e domingo à noite, mas quem sabe não ligo para ela e nos vemos para uma caminhada pela praia?