Sucata Coca

Piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii

O apito estridente se estende à espera do apocalipse ou de um novo milênio, o que vier primeiro. Por que o apito do metrô Botafogo demora tanto tempo?

Estou encostado na porta oposta enquanto a multidão preenche cada espaço do vagão e três amigas acabam a menos de dois palmos do meu rosto. Mais perto do que fico dos meus amigos quando converso com eles!

Invisível! No entanto sou totalmente imperceptível para elas, afinal quem olha para rostos num formigueiro? É como cheiro de gente. Dizem os japoneses que nós ocidentais temos cheiro de leite, eu nunca percebi, e você?

– Cara! Depois fui descobrir…! Os pais dela são pobres!

– Ridículo esconder! E ela que ficava tirando onda! Ridículo! Nada a ver!

Em algum lugar longe dali uma moça jovem e com seus talentos (todos nós temos os nossos) estava indo para casa a pé porque não tinha dinheiro para o metrô e imaginava que tem que parecer rica para ser aceita pelas amigas. Não tem.

Não é estranho esse mundo? A verdade é que a gente não está nem ai (pelo menos a gente que vale a pena, os amigos do tipo que permanece) com o dinheiro ou popularidade de ninguém.

Porque será então que nos preocupamos tanto em fazer com que os outros creiam que temos o que não esperamos que eles tenham? Aliás vivemos querendo luxos mesmo que ninguém saiba só para nos sentirmos melhores. O Colt 45 sem os qual ninguém era homem nos tempos do bang-bang é o molho de tomate mais caro, o papel higiênico do Alfredo e o iPod: gozos virtuais… E depois falam mal do sexo virtual! Antes fosse essa nossa fuga.

O Piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii de novo.

As pessoas balançam formando uma onda lenta enquanto se ajustam às entradas e saídas, as moças praticamente me beijam e os devaneios ondulam como a superfície do lago onde a pedra atirada quica 3 vezes: “quer parecer rica porque está com o Um Anel, você leu Senhor dos Anéis?”, “Gente invisível como as do Eisner, mas com histórias tão vastas, como as do Eisner”, “Tô ficando velho… Antes elas me achavam fofo, agora nem me enxergam”, “Que estação é essa mesmo?” “Abril já passou, e o solstício? A chuva… A roupa na varanda? Cachorro molhado ? engraçado…