– Ai! Atende Jô! Atende!!! Não! Ocupado! não!
O quarto está escuro, iluminado apenas pela luz fraca de uma estrelinha amarela na tomada ao lado da cama. Pode-se ver bem os babados que pendem da colcha que cobre a cama e a bela cabeceira de madeira branca laqueada. O resto são silhuetas. Os bichinhos de pelúcia em prateleiras acima de uma escrivaninha, os porta-lápis apinhados de canetinhas que certamente são coloridas, com purpurina ou douradas. Há um tapete felpudo no chão, um armário alto cheio de adesivos fofinhos colados, uma grande janela que se abre para a brisa que entra suave e deixa antever ao longe as luzes de outros edifícios menos altos e um skate jogado ao lado do armário.
Atrás do skate, entre o armário e a parede da janela, uma menina se encolhe com um telefone sem fio branco na mão. Os olhos estão arregalados, os cabelos finos suados e colados na testa, um fio de sangue escorre da sua bochecha corada. Cada unha é pintada de uma cor e ela veste um pijama longo. Não deve ter mais de 16 anos, e chora…
Com dedos nervosos disca repetidas vezes o mesmo número enquanto sussurra “Jô! Jô!” mas não tão alto quanto sua respiração ofegante. Ela se esforça para ignorar a porta do quarto que fica do outro lado do armário. Está fechada e trancada, mas a menina tem certeza de que a maçaneta deve estar girando!
– Graças a Deus!! Jô! Jô! Sou eu a Pat!! Pelo amor de Deus! Você tem que me ajudar! Eu tô apavorada! Tô sozinha e a luz da sala! Ela apagou! Tinha uma sombra! Era grande, não, não era grande! Mas tava crescendo! E o barulho! Ai! Parecia um… um… Não sei Jô!
– Calma Pat! Não tô entendendo nada! Cadê seus pais? E seu irmão? Onde você tá?
– No meu quarto Jô! Eu acho que fechei a porta, mas tô com medo de chegar perto dela e… – Uma sucessão de soluços e choro contido a interrompem.
– Calma Pat! Eu tô colocando a roupa! Eu vou ai! Agora vai na porta, coloca alguma coisa pesada na frente, eu tô com você! Amanhã a gente vai tá rindo disso no colégio! Você tá indo? Diz que você tá bem! Para de chorar e se acalma senão eu morro aqui!
Entre soluços e fungadas ela responde.
– Tô bem! Tô bem! Já tô quase na porta – sua voz se reduz a um sussurro quase inaudível.
Ruídos de madeira sendo arrastada, batendo contra madeira e metal ecoam pela linha.
– PAT! PAT!! Fala alguma coisa! Você tá ai? Droga! – O telefone cai no chão e rola para baixo da cama.
Quando a Jô o recupera e coloca no ouvido a voz assustada da Pat está do outro lado.
– Pat? Pat!? Cadê você? – A voz continua sendo um sussurro quase inaudível.
– Tô aqui Já! O telefone caiu! O que aconteceu?
– Prendi a maçaneta com a cadeira, mas ela escorregou! Agora ele vai saber onde estou! Me enfiei dentro do armário Pat! Que que eu faço? Você não vem pra cá sozinha vem? O que você pode fazer?
– Sei lá! Eu bato num guarda no caminho e faço ele me seguir até sua casa para me prender, ai ele vai ter que te salvar!
– Você é maluca Jô! Que ideia maluca!! E da sua casa até a minha dá mais de meia hora!
– Seu pai! Cadê seu pai?
– Já disse! Eles foram levar meu irmão no médico, ele tá com febre, estas coisas de neném de dois anos…
– A que horas foi isso Pat?
– Sei lá… Umas oito acho…
– Espera… E o que você ficou fazendo?
– Tava vendo TV na sala… Acho que dormi, então apareceu a coisa! Que foi Jô?
– São quase onze horas agora… Qual é o celular do seu pai?
– É… 8888-5555, porquê Jô?
– Pera…
Um barulho alto invade o quarto, a maçaneta sendo forçada, a cadeira escorregando e se espatifando no chão. O grito da Pat quase ensurdece a Jô do outro lado. Ao mesmo tempo o toque eletrônico de um celular vem do outro lado.
– Alô? – Soa a voz abafada e masculina do outro lado – Jô? Você quer falar com a Pat? Acho que ela está dormindo. Mas a porta está travada e… Como? Ela o quê?