O Papai Noel entra na sala pelo quinto ano consecutivo. A grande barriga fofa, o vermelho vivo de cetim, as botinas de couro marrom muito escuro, a vasta barba macia como o algodão, um saco de lona crua nas costas repleto de presentes para as crianças que se espalham pela sala e, claro, um belo gorro tão cintilante quanto a roupa e cuidadosamente ornado por uma faixa branca que parece neve e o inconfundível pompom branco na ponta.

Os presentes começam a sair do saco. Uma metralhadora de brinquedo (eram os anos da ditadura e os ventos do fascismo disseminavam seus encantos), bonequinhos, carrinhos, mas as fotos só preservaram a metralhadora ainda embalada em seu plástico transparente.

Já adulto aquele menino sem camisa lembraria apenas das fotos e das histórias e seria capaz de jurar, agora pacifista, que não gostou, entretanto ainda brincava com armas de espoleta uns dois anos depois.

“Oh! Oh! Oh! Sente aqui com o Papai Noel menino!”

E lá foi ele animado sentindo-se a criança mais especial do mundo já que o Papai Noel não aparece para nenhum dos seus amigos.

Senta-se no colo do bom velhinho, olha-o nos olhos…

“Hei! Esse é o óculos do meu pai!”

Antes que qualquer um possa inventar uma desculpa ele puxa a barba revelando o rosto do pai e um sorriso de descoberta onde faltam alguns dentes de leite que já se foram.

Quem dirá o que passou realmente na cabeça daquela criança? Se eu tiver que adivinhar diria que ele percebeu imediatamente em um desses raros momentos de quebra de paradigma que o Papai Noel não existia e que o pai dele era maravilhoso por se vestir todo ano com as pesadas e quentes roupas minuciosamente feitas somente para agradá-lo levando-o a um mundo mágico que os pais não eram mais capazes de alcançar.

Pode ser… Mas o mais provável é que ele tenha pensado “O meu pai é o Papai Noel!!!”