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Os tempos estão difíceis, parece ser o fim deles.

Depois de tudo que vivemos, das conquistas que sangramos das nossas veias abertas e da sensação, toda vez que vamos ao cinema ou lemos livros que todas as pessoas estão lendo e estão repletos de empoderamento, diversidade, representatividade de todas as minorias e de quem sofre discriminação.

Depois de tudo isso parece que as conquistas estão só na fantasia, que de alguma forma os deuses nos traíram, a arte nos enganou e muros cobertos de arame farpado estão entre o mundo real e a fantasia do mundo cultural.

Olhamos para o lado e não é apenas no mundo cultural que avançamos muito e para melhor! Na ciência também, na compreensão de como funciona a vida na Terra e como mantéê-la, na descoberta da nossa própria essência e como nos tornarmos mais humanas, na visão que temos do Cosmos além da vida, das vastidões onde reinam radiações e gigantes incandescentes e suas explosões cósmicas.

Nunca o Universo distante e a delicadeza tão próxima da vida foi tão bem entendida quanto hoje, mas apensas nos restritos corredores dos laboratórios e universidades a que tão poucas pessoas tem acesso já que a maioria de nós se debate entre a violência contra a mulher que somos, contra o homem que nascemos para ser, contra a liberdade de nos transformarmos com as nuvens que passam, como a vida que desabrocha. Contra. Violência contra tudo.

Voltamos os olhos, então, para o chão sob nossos pés, a rotina adiante no dia e do próximo dia, do próximo ano, das perspectivas infinitas, mas inacessíveis atrás de muros.

A Terra é plana, o holocausto não existiu, nunca fomos à lua, brancos não tem privilégios, ditadura, ditadores e perversos torturadores homenageados, lunáticos elevados a pedestais de gurus, de grandes sábios da idiotice e aplaudidos, admirados pela pessoa ao nosso lado, cujos pés trilham o mesmo chão rachado com as mesmas rotinas e muros farpados, pessoas que choram em silêncio a síndrome de Estocolmo ou outra síndrome que nos faz amar a mão que nos açoita.

Que história é essa, meu Deus? E “meu Deus” já não nos serve porque ele também parece atrás de muros, em silêncio enquanto se levantam em nome dele para arrebentar a face da mulher, da criança negra, da pessoa que sonha, que escreve devaneios, que abre frestas em muros arrancando sangue dos próprios dedos nus. Deus está morto, nós deixamos que o matassem.

Então que história é essa que estamos vivendo, nossas Deusas e Deuses? Que história é essa nossas antepassadas?

No entanto… Será mesmo que é o fim dos tempos?

O antigo colega de estudos que reencontro 30 anos depois em um Cabify e que votou no ódio, na idiotice delirante e, depois de meses de vergonhas e caos continua não se envergonhando do que fez é o fio condutor da nossa história? Mergulharemos na distopia e nos veremos obrigadas a esconder nossos sentimentos e sonhos buscando amedrontadamente por outras pessoas com quem compartilhar em cápsulas escondidas em vielas perdidas?

Procuro lembrar que as trevas sempre estiveram sobre nós. Que as artes, as ciências a religiosidade que exige do religioso que se transforme em vez de lhe dar o delírio de poder para transformar o mundo sempre foram restritas, muito mais restritas que hoje!

Existe um poder ainda desconhecido na razão, na humanidade, na humildade compassiva que alimentam a ciência, as artes e a espiritualidade; um poder que atravessa a mais perversa armadilha de muros cortantes e prevalece.

Talvez seja porque sem essas qualidades reina o caos e o ódio acaba se dilacerando sozinho, abrindo novamente espaço para o sopro suave da humaniade.

Talvez só nos pareça o fim dos tempos porque tantas pessoas caíram à nossa volta, tantas pessoas caíram ao nosso lado! Estavam de mãos dadas conosco, nos alimentaram quando não éramos capazes de comer sozinhas, e agora olham para o mundo com olhos esbugalhados injetados de sangue pedindo a morte e o sofrimento de quem perdeu seu país, perdeu (ou nunca teve) direito a dignidade, que está perdida na necessidade, no medo, na falta de perspectivas.

No Hinduísmo Kali Yuga é a era da destruição inevitável no caminho para cada nova era dourada.

Gostaria de poder terminar com esperança, com a certeza de que a empatia prevalecerá, mas… A grande verdade é que não sinto o final dos tempos, vejo apenas que o medo é um poder maior que o amor e que o medo alimenta o ódio, mas há um limite para tudo e que sem compaixão não é suportável viver. É o que vejo e espero por tempos mais belos.

No entanto, enquanto esperamos o que fazer? Por quanto tempo teremos que esperar? E para as pessoas sendo mortas e torturadas agora? As Marielles, as Malalas? Não quero descansar no privilégio de quem pode esperar em segurança, em relativa segurança.

Quero dar voz à razão, quero replicar a compaixão, quero dar mãos à arte e caminhar atirando flores ainda que espinhos sejam arremessados de volta pois permanecer em nosso esconderijo não é apenas uma vergonha, é uma morte.

E quando sentei para escrever pretendia falar das alegrias e dificuldades de adotar uma nova amiga canina… Lupita que está conosco desde 23 de fevereiro.