Ela acordou com frio. Ainda não havia amanhecido. Viu sobre ela o céu começando a tomar a tonalidade púpura que antecede o nascer do sol. O chão sob ela… estranho, ela estava deitada no chão… áspero e arenoso arranhava seus cotovelos conforme tentava se levantar e lembrar como tinha chegado ali.

Aliás, onde era ali?

Tonta. Um zumbido no ouvido. Estava de ressaca. A brisa fria que soprava a franja fazendo cócegas na sua testa aliviava um pouco a dor, mas piorava o enjoo.

É um cemitério. “Merda, dormi num cemitério!!”

Os primeiros raios de sol começam a atingir sua pele pálida e com eles as memórias da noite anterior vem assombrar seu dia.

Excessos.

Beijos demais, bebida demais, drogas demais, luzes demais e muita dança. Dançou de se acabar e já não sabia se eram beijos ou o rodopiar do corpo no ritmo febril da noite que a deixou tão tonta que não dava mais para continuar.

As ruas estavam vazias quando ela atravessou a porta de madeira pesada e grossa deixando para trás aquele big bang de estímulos mergulhando na noite profunda e silenciosa.

Silêncio… Era isso que a atraíra.

Rua após rua foi fugindo dos sons até que os passos de um gato a incomodaram tanto que acabou enveredando pelo cemitério depois de escalar o muro com alguma dificuldade.

Ali, no silêncio literalmente sepulcral, passeando entre as ruas da acrópole dos esquecidos seus sonhos começaram a invadir a noite com desfiles de faunos, fadas, dragões e criaturas foragidas de catacumbas que dançam ao seu redor exorcizando o assustador mundo onde a fantasia, a mágica e os sussurros dos nossos avós são demonizados por homens e mulheres assustados demais para apreciar a lua e seus segredos.

Dorme ali mesmo na companhia dos seus anjos protegida dos gritos de outra moça com menos sorte que vê sua vida se esvair formando delicados rios rubros sobre a lápide desconhecida.

Inspirado pelo absurdo caso da negligência na investigação do assassinado de Aline em Ouro Preto em 2001 e na demonização de jogos, rpg, músicas e filmes