Pelos bancos dos ônibus desfilam intermináveis personagens, alguns únicos, a maioria apenas variações de cores, textura e tonalidade.

Sento encostado na janela do lado direito. Mais adiante duas meninas conversam alheias aos outros passageiros.

– Mais um ano e meio e faço 18 anos!

Os ruídos mergulham a voz que já começa a perder o tom infantil na cacofonia urbana, então a moça se anima e outra frase sobe acima do ruído.

– O colégio me atrapalha! Quero ir na praia, na academia…

Então noto outra menina da mesma idade sentada em uma janela do lado direito. Ela parece viver em um mundo tão pessoal e intenso que minha atenção é absorvida abafando toda realidade ao redor. Ela abre sua mochila marrom enfeitada com pequenas miçangas coloridas e tira de lá um alicate especial e começa a revirar o conteúdo da mochila.

Dezenas, talvez centenas de pequenos saquinhos de contas, bolinhas e disquinhos para fazer brincos, pulseiras e outras bijuterias. Eles saltam de dentro da mochila como se ela não tivesse fundo e uma força estranha os fizesse se revirar entre os dedos ágeis da menina. O ônibus sacoleja, mas isso não interfere com seu trabalho certamente bem rotineiro.

Habilmente vai cortando e torcendo um filamento de metal que segura numa das mãos, coloca alguns pedaços na boca enquanto escolhe um saquinho com bolinhas verdes. Um a um vai tirando os filamentos de metal da boca e prendendo nas pequenas esferas de vidro.

O tempo parece passar mais devagar ao seu redor, em câmera lenta, ao passo que pequenas jóias vão surgindo entre seus dedos. Conforme ficam prontas ela as joga em outros saquinhos de plástico transparente. Um grampeador surge da mochila e o saquinho é fechado.

Lá na frente as duas ainda conversam sobre como anseiam por uma vida de praia e festas. Um bêbado mais atrás resmunga com uma voz áspera “É que nem cadela! Vai ser empregadinha de nego cum carro caro! E ainda é feia! Vai ter que…”

O ônibus vai seguindo, tenho que doar um bocado de sangue…