Imagem: A corner of de garden at Montgeron (1877) Monet

É um trecho de vegetação nativa cercado por edifícios e ruas asfaltadas. Não mais de 400 metros quadrados milagrosamente intocado desde tempos imemoriais enquanto a cidade crescia à sua volta.

Bem no centro tem uma pedra com cerca de dois metros de altura onde três amigos se reuniram para conversar por nenhum motivo em particular, apenas acharam estranho achar uma mini-floresta no meio da cidade e acabaram escalando a pedra e sentando ali.

Quando eles se dão conta há uma rachadura dividindo a rocha cinza e um tremor repentino os faz saltar para o chão bem a tempo de vê-la se dividir em duas revelando que estavam sobre algo oco, cheio de cristais roxos, amarelos e negros como a noite cobrindo a superfície interna e, bem no meio, uma pessoa de cabelos longos, castanhos e ondulados, uma densa barba e completamente nu.

Os amigos se entreolham imaginando que a estranha figura deve estar morta, mas logo descobrem que ele respira e na verdade parece estar despertando.

Improvável seria o mínimo a dizer do homem que se levanta de costas para eles, provavelmente sem saber que estão ali. Eles se entreolham pensando em fugir ou ficar, mas a curiosidade é grande demais e suas pernas se negam a largar o chão assim como suas bocas, ainda que levemente abertas com a surpresa, não emitem qualquer som.

– Ahhhh!! Quanto tempo terei dormido? Como estará meu jardim? – O homem se espreguiça colocando as mãos na cintura e estalando as costas. – Mas… Tem algo errado aqui… Era para ter esse cheiro? E que barulhos são esses vindo de além das árvores?

Lentamente ele gira vasculhando o ambiente tentando se ambientar. Sua voz é grave e potente, os amigos se perguntam se poderia ser ouvida até por quem passasse de carro ao redor com os vidros fechados.

Os olhos do homem, negros como ônix, encontram com os deles e se arregalam.

– Hein??? Que droga é essa? O que são vocês? Tem pelos… Não parecem muito inteligentes… Será que falam?

Ele os cutuca bem na testa, depois no peito. Inclina o rosto para um lado, depois para o outro e volta a se assustar e se apalpar no rosto, nos braços e na cintura.

– Ahhh!!! Eu assumi a forma de vocês! Que merda!! Vocês são… são… errados! Digam alguma coisa, vamos, não fiquem aí me olhando com essa cara de paspalhos!

Carina é a que tem mais presença de espírito e também uma das menos cautelosas dos três amigos e consegue responder.

– Ehhhh… Bem… Somos brasileiros… E… Bem… Você fala nossa língua, se parece conosco… Que papo é esse de “o que nós somos”?

O homem se apoia na pedra com uma mão e leva a outra ao queixo pensativo.

– Bem, vamos recapitular… O que vocês três sabem sobre de onde vocês vieram? Vocês entendem, né? Como a vida se desenvolveu até aqui.

Carlos se anima, finalmente algo um pouco mais concreto! Ele dá um pequeno passo para frente e responde, mas ele realmente não tinha prestado muita atenção nas aulas de biologia nos tempos de colégio.

– Olha, a vida foi criada e foi evoluindo… Aí vieram os dinossauros, aqueles lagartos enormes, então caiu um meteoro que matou todos eles e… aí nós aparecemos, humanos, você sabe, né? Evoluímos dos macacos…

“Meteoro?”

O homem parece falar com ele mesmo olhando para o chão.

“Não era para ter meteoro nenhum! Vinham os dinossauros, as aves e finalmente o Dodô, minha criação máxima”

Reconstitui??o e esqueleto do Dod?
Pássaro Dodô – Fonte: Wikipedia

– Ok – ele se volta novamente para os jovens – Tem um deste tamanho (e mostra com as mãos), com duas pernas grossas, penas sobre o corpo, um nariz… bico, um bico duro comprido e bojudo… Meteoro… De onde veio o raio desse meteoro? – e volta a divagar murmurando sozinho antes de voltar a atenção aos amigos quando o Anderson, que mexia no celular, disse que talvez ele estivesse falando do Dodô, que tinha vivido em Madagascar perto da África e mostra a foto para o homem.

– Isso! Esse mesmo!!! Como eles estão?

– Extintos – responde Anderson – aqui diz que, quando a gente colonizou a ilha por volta de 1500 eles foram… errr… comidos…

– C O M I D O S !!!!

O homem começa a sentar desolado, os amigos acham que ele vai cair, mas uma rocha surge sob ele no momento perfeito para que ele se sente.

Anderson, Carina e Carlos se sentem tontos, completamente desorientados, mas tentam se adaptar aos acontecimentos.

Os três se entreolham e tomam coragem para perguntar em coro:

– Senhor, não estamos entendendo o que está acontecendo!

Carla continua enquanto os amigos se calam:

– Como você pode estar dentro de uma pedra?

Anderson se anima e pergunta ao homem quem ele é.

Carlos permanece calado, parece que suas mentes ignoraram o fato de que uma pedra apareceu para que o homem se sentasse.

– Está bem… Vamos dar uma volta pelo jardim enquanto penso e explico a vocês. Talvez assim eu organize melhor os pensamentos e entenda o que deu err… Cadê meu JARDIM??

O homem tinha acabado de sair da mini-floresta dando de cara com as ruas, prédios, carros e pessoas apressadas.

– Foram vocês que destruíram tudo?? Mais de quatro bilhões de anos de trabalho? Eu descansei só por uns sessenta, setenta milhões de anos e dá nisso? Só pode ter sido a droga do meteoro, de onde veio essa porcaria que eu não vi?

– Você… O senhor… Quer dizer… O Senhor é Deus? – Carlos consegue falar, mas ainda meio em choque como seus amigos. – O Senhor criou o Universo?

O homem olha para eles desolado, mas não parece com raiva, somente triste.

– Ninguém criou o Universo… Não que eu saiba… A gente sempre esteve por ai e os Universos fazem POP e aparecem, duram um tempo e puf, desaparecem. É assim que funciona. A gente assiste… Aí eu decidi fazer algo diferente, construir alguma coisa, sabe? Chamei de Éden.

Carlos aproveita que tinha conseguido falar e parece se animar ao ver que, de alguma forma, estava diante de algo familiar.

– Éden! Nirvana! Várias religiões falam desse lugar! É tipo um jardim de onde nós fomos expulsos por… bem, pelo senhor pelo jeito… O Éden era nesse mato, digo, nessa floresta onde o achamos?

– Claro que não, o planeta inteiro era Éden. Eu só coloquei as coisas no lugar e o resto acontece sozinho. A vida surgiu e quase sumiu umas cinco vezes, a cada vez se aproximava mais do meu querido Dodô e o Éden cada vez mais se parecia com o jardim que idealizei… Eu não devia ter ido descansar… Tudo errado… Tudo errado… Eu devia ter ouvido os outros e deixar o Universo funcionar sozinho como sempre.

Os amigos voltam a se entreolhar e cada um diz um pedaço da frase:

– O Senhor…
– Está pensando…
– Em nos “desfazer”?

– Claro que não… Já fiz tudo errado e mexer mais só vai piorar as coisas… Quem sabe o Universo não está certo e vocês devem existir? Além do mais parece que vocês não estão notando que quebraram o Éden e ele pode acabar com quase toda a vida de novo dando espaço para começar tudo de novo e, quem sabe, dessa vez o meu Dodô apareça e sobreviva? Mas não vou descansar aqui… Nem usando essa forma que vai acabar com alguma doença por causa dessa poluição danada que vocês fazem.

O homem caminha pelado de volta para a mini floresta e começa a ficar translúcido, como se estivesse virando um cristal, na verdade vários cristais, até que fica apenas uma suave nuvem de várias cores que vai desaparecendo ao longe no céu…