“Irritada! Argh! Irritada! Irritada!! IIIIIRRIIIITAAAADAAAA!!! Para de me olhar assim que tô irritada! Até a palavra irritada tá me irritando! Que merda de palavra é essa? Irri! Irri!!!”

Ela rosna. Sim! Rosna! Um ruído parecido com AURF. Anda de um lado para o outro na calçada sem se importar com as pessoas que passam assustadas com seu olhar franzido, as mãos esvoaçando ao redor da própria cabeça.

O sol quente provocando miragens de poças não é a causa do humor terrível que transforma a moça pequena e frágil em uma Valkíria pronta a carregar seu amigo para o Vahala onde poderão, juntos, batalhar eternamente contra os inimigos que são alvo da sua fúria.

“Olha para mim! Me diz se adianta eu ficar puta? Alguém vai se comover? Você acha que este bando que tá me olhando assustado vai se mexer? Que vão tirar a bunda da frente da TV, parar de reclamar e fazer alguma coisa? Essa gente só sabe ficar mexericando perfil de Orkut e gralhando ‘vai acabar em pizza’, ‘não vai ser em vão'”

Ele observa impressionado como os lábios macios que beijava ainda a pouco se torcem e como a voz que minutos antes o arrepiava sussurrando saliências em seus ouvidos se carrega de ironia e escárnio enquanto ela imita os chavões populares.

Sem saber o que dizer ele concorda com a cabeça pontuando cada vírgula e cada exclamação e se envergonha do seu mundo pequeno onde não cabe essa energia e preocupação com o mundo. Que mulher incrível… e ele envergonhado por estar ao lado de alguém que tem coragem de cuspir sem brios a indignação e a vontade de sacolejar o mundo.