Tenho saudades da relva úmida e dos longos dias em que me deitava no campo conversando com as fadas, dragões e coelhos que vinham me visitar disfarçados de nuvens espalhadas no céu azul.
Logo ali, ainda ao alcance dos meus ouvidos, estavam meus irmãos, primas e primos entretidos com a colheita, os animais e o trigo que logo viraria pão, um monte de pão que assustava o cheiro suave das flores com o seu aroma morno e aconchegante. Ah! Eu adorava o pão!
Os primos cresceram, titio, dono da fazenda, adoeceu e agora mora perto de um hospital na cidade grande pois necessita de cuidados frequentes.
Por ele ficaria lá no campo mesmo e morreria anos mais cedo. Só que a família se apega aos mais velhos e não quer deixá-los partir do seu jeito, né? No final acho que meu tio também achava melhor ficar mais uns anos por perto.
Ele guarda para nós, e nos mostra sempre que o visitamos, um tempo perdido que não era um tempo de inocência – embora tudo fosse mais natural – mas um tempo mais rude que, paradoxalmente, era mais nobre. Titio nunca esteve perdido e sabia no que acreditava, para onde ia e não se importava muito de onde tinha vindo.
Nem adiantaria pois na guerra ele perdeu tudo o que era depois de testemunhar horrores que nunca nos contou. Só que enquanto alguns se enchem de ódio ele simplesmente se esvaziou e começou tudo de novo.
Hoje me deito numa rede na minha varanda – e dou graças por ter uma varanda – e aprecio a irmã lua e minhas primas estrelas até esquecer do sussurro dos carros, do pipocar de tiros distantes e acabo sentindo novamente aquele cheiro de relva molhada e pão quente.