“Nome?”

O sujeito estava sentando atrás da mesa, meio desgrenhado vestindo jeans, tênis e uma camisa de malha. Tinha os olhos largados desleixadamente nos papéis sobre a mesa.

“Gaia, tenho o currículo aqui comigo”

“Não, tudo bem, deve estar aqui no meio… Gaia, você disse? Hummm… Gabriela, Fernanda, Soraia… Gaia. Tá aqui.”

Não havia qualquer traço de emoção no cara. Ele buscava entre a desorganização da própria mesa como quem lia uma receita de comida. Pega o currículo e passa três segundos olhando-o antes de jogá-lo de volta, olhar para ela e dizer “Tive um amigo que se chamava Gaia, não estamos procurando uma mulher, sabe?”

Ela, olhando a plaquinha sobre a mesa, pelo menos tinha uma plaquinha com o nome do cara sobre a mesa…

“Jorge, sabe o que é? Se a gente quer trabalhar não pode ficar em casa esquentando o sofá, né? Olha, se você der uma olhada no currículo vai ver que tenho uma formação muito boa e se me entrevistar vai ver que sou criativa, segura e que tenho iniciativa.”

“Humhum…”

Ela se sentia despida pelo olhar do tal Jorge, parecia que tentava imaginar as curvas dela sob a blusinha de tecido indiano e o tipo de soutien que ela usava.

Segundos se estendem longamente até que ele balança a cabeça afastando os pensamentos e, antes que ele possa falar…

“Cara, vou ser franca, não tem nenhuma razão para vocês não contratarem uma mulher, não é o tipo de trabalho que justifique a exigência de um homem e tenho certeza de que estou muito mais preparada que a maioria dos outros candidatos. E se você acha que não estou me diga porque e vou te mostrar que você está enganado”

Uma mulher, ele pensa, até que era gostosinha, mas pô, mulher… Não é à toa que tem até vagão só para elas no metrô, mulher distrai a atenção, e tem a esposa dele que já anda desconfiada das colegas dele no curso de extensão.

“Jorge?”

Na parede o ponteiro de segundos de um relógio analógico redondo se detém entre o 27 e o 28. A sala parece escurecer e a tinta nas paredes dá a impressão de ter envelhecido décadas. Mergulhados em uma névoa imaginária ambos enxergam apenas seus pensamentos enquanto o resto do mundo se congela.

Ela já imagina que enfrentará os mesmos problemas das outras entrevistas: a visão curta, o preconceito porque mulheres tem TPM, tem licença maternidade, largam o emprego para cuidar dos filhos, blablablas que ninguém admite, mas estão atrás das palavras de 8 entre cada 10 entrevistadores.

Ele pensa que preferia estar em casa vendo TV, no bar paquerando uma louraça ou jogando futebol com a galera do Ponto Azul.

Imagem: Gaia’s Breath – Martin Eichinger