Lá vou eu sentado no ônibus. O corpo todo tremendo, sentindo cada junta do corpo se soltando e reverberando com a enorme estrutura de metal estrepitante que ameaça desmontar a cada curva mais intensa enquanto atravessa em alta velocidade uma das ruas estreitas do humaitá.
Talvez para fugir da tortura da realidade física a mente se desprende e se entrega a reflexões sobre dogmas e inspirações, sobre aceitar cegamente a crença que pode ser o grito de socorro de um espírito cansado ou mais um passo em direção ao amadurecimento desta muitas vezes vacilante espécie humana.
“Cinta elétrica para emagrecer!”
É uma voz estridente, inconfundível! O som vem entre lábios apertados e soa um tanto infantil, é o velho companheiro novamente, o irônico Gato de Botas!
– Como é? – Pergunto antes de pensar melhor.
– Não lembra da maravilha da tecnologia? Você ficava em pé diante de uma máquina, passava uma cinta de lona ao redor da sua cintura e a máquina começava a te misturar como se você fosse um bolinho de carne ou um cajuzinho… No final de 10 minutos era garantido que seu cérebro estaria às avessas e o mundo todo lhe pareceria lindo apesar da dor de cabeça!
– Céus Gato! E o que isso tem a ver… Aliás, o que você faz aqui ainda de dia?
– O ônibus, ora! É a cinta elétrica para emagrecer moderna! Ao menos destrói seu cérebro do mesmo jeito!
Digo a ele para me deixar em paz pois estou pensando e não preciso ser importunado por sarcásticas criaturas imaginárias (ele odeia ser chamado de imaginário!)
Calmamente ele se levanta, alheio aos sacolejos do ônibus ele sequer segura nos metais… Abaixa graciosamente aproximando os bigodes coceguentos da minha orelha e mia:
– Alguns dogmas são os finos barbantes que separam vocês de mim… Tem certeza que está pronto para partí-los?
Com facilidade ele se vira e desliza pela porta de saída do ônibus como se fosse o reflexo de alguma luz que passou do lado de fora…