– Ai! Você acha que ele vai gostar?
É uma moça nova, não mais do que 22 anos. Os grandes olhos bem abertos e cheios de dúvida e expectativa. A garoa tamborila nas folhas e o vento noturno sopra gelado, mas ela não liga! Dentro do peito o coração bate tão forte que aquece até o dedinho mindinho do pé.
– Ah! Joana! É claro que ele vai gostar! Dá para ver o carinho que você tem por ele e que você teve pra escolher o presente! Além do mais ele não é nenhum grosso! – A amiga caminha ao seu lado acompanhando os passos apressados que se esquivam entre as poças na calçada irregular e escura.
– Você sabe que esqueci dele ontem, né? Quer dizer, não esqueci! Fiquei presa no trabalho, não dava para ligar! Quando deu ele não atendeu o telefone! Deve tá puto comigo! Liguei hoje para ele, mas tava fora de área, então mandei uma mensagem marcando de encontrar com ele aqui e ele respondeu com um “sim”! Um “sim” seco? Um “sim” triste? Eu não sei! Aaaaiii! Você sabe como gosto dele, merda!!
As palavras quase se atropelam! Uma vem atrás da outra num crescente de ansiedade, sem pontos, ponto-e-vírgulas ou vírgulas! Ela balança as mãos magras de dedos longos no ar emoldurando cada frase como se pudesse gravá-las no espaço vazio para sempre.
As duas chegam na entrada do ponto de encontro, a Cobal do Humaitá. Do outro lado do portão centenas de pessoas produzem o rumor de uma cachoeira. É exatamente como ela se sente: como se as cataratas do Niágara estivessem para cair sobre a sua cabeça.
A amiga a segura pelos ombros, olha bem de perto para ela, os narizes a um palmo de distância, então tudo que ela vê são os olhos compreensivos e confiantes da amiga enquanto escuta sua voz distante “Joana! Joana! Joana!”. O terceiro “Joana” mais forte que os outros a retira de dentro da cachoeira. Ela treme, balança a cabeça e olha para a amiga “Ah! Tô ouvindo!”.
– Deixa de ser boba! Vai lá com calma! Para de pensar no pior! Vocês dois são duas das pessoas mais legais que eu conheço! Ele vai entender! Se não entender eu vou estar lá do outro lado, no crepe, te esperando, tá?
– Tá… Tá bom! Então eu vou lá!
Não são mais de cinquenta passos até o restaurante onde eles marcaram o encontro… Passos o suficiente para passar todos os seis meses de namoro pela cabeça pelo menos umas trinta vezes!
O primeiro olhar, o primeiro beijo, a primeira briga e a primeira reconciliação! Os dias tristes juntos, as alegrias que um tinha e compartilhava com o outro! Medos e confiança, conversas e silêncios! Será que agora seria silêncio? Será que ele vai ficar calado com cara amarrada sem dizer nada?
Ela para olhando ao redor procurando-o entre as centenas de rostos até que o vê sentado olhando para ela com uma cara de parede que não dizia nada! Nem raiva, nem tristeza, nem carinho nem nada! Respirando fundo ela vai caminhando, pelo menos ele chegou antes dela! Era um bom sinal não era?
– Oi! – Ela diz antes mesmo de sentar, só não sabe se estende a mão ou se tenta um beijo.
Ele levanta sem falar nada olhando nos olhos dela bem fundo, bem fundo mesmo! Nossa! Um mar onde ela poderia se afogar, e tão misterioso quanto o mar! Nervosa ela puxa da bolsa a pequena caixinha embrulhada em papel que ela mesma fez questão de escolher e embrulhar! Estica para ele…
– Prá você! Desculpa! – Seus olhinhos desamparados, tristes e arrependidos como os do mais triste cocker Spaniel!
– Prá você! Desculpe!
O quê? Eco? Não! Ele também lhe estende a mão com uma caixinha toda mal embrulhada! Certamente obra dele mesmo, tão desajeitado! Ela sente uma lágrima ameaçando escorrer pelos seus olhinhos enquanto os dele parecem sorrir para ela!
– O trabalho… – Ela começa a dizer
– Eu fui grosso com você… – Ela o escuta dizer em cima das suas palavras!
O barulho ruidoso das cataratas de vozes desaparece enquanto eles se abraçam ali mesmo, em pé, e o mundo gira mais rápido. Tudo some exceto o tamborilar suave da chuva e seu frescor de primavera que cobre seus cabelos com gotículas prateadas.