Parou de chover.

Depois de 24 horas.

Resta ainda o murmúrio de águas escorrendo dos morros próximos, escoando pelo asfalto cansado do dia a dia escutando as conversas furtivas de jovens e sua maconha, os passos apressados das crianças que sobem as escadas em direção à escola e os ombros oscilantes de homens e mulheres que buscam ou voltam do trabalho.

A noite iluminada da metrópole só permite sombras nos corredores estreitos entre as casas apinhadas no Pavão-Pavãozinho, na Marta, no Azul. As outras vias estão tomadas por uma difusa luz avermelhada que vem de todos os lugares e luta com os limites da visão nesta ou naquela esquina que foge furtivamente do olhar dos postes de mercúrio, Vênus, poderia ser Plutão a reger as ruas que já não são ruas deste mundo, são ruas de um outro mundo mal imaginado ao longo de séculos de construções mal planejadas, mal sonhadas.

Escondida na brisa vem uma lembrança daquele mundo perdido onde havia terra, cogumelos, gotas pesadas se acumulando nas folhas das árvores antes de cair ao chão tamborilando o mundo e compondo uma sinfonia molhada e repleta de fadas, silfos e duendes.

Depois que chove por mais de 24 horas o mundo, mesmo o “fastforwarded” urbano, segura o fôlego. O ronco dos carros vem de longe e separados por longos silêncios maculados apenas por uma voz que sobressai, um latido dum cão distante e até ruídos estranhos de aves ou algum outro ser voador noturno.

Imagem: Galeria Esao