A janela no décimo quarto andar sacoleja como se fosse estourar ante a pressão do vento que ergue jornais, folhas e sacos plásticos de mercado além do cume dos edifícios.
Atrás do vidro, enrolado em um cachecol, um velho senhor, bem além dos oitenta anos, contempla o tempo que voa junto com o vento. No seu reflexo que paira sobre a imagem dos outros prédios em frente enxerga o mapa de rugas fundas, o nariz avantajado e irregular com a pele coberta de crateras de cravos. Os olhos se apertam com sono e dor. A imagem no vidro então se estica e perde as rugas, os cabelos brancos desgrenhados e ralos novamente se arrumam em um topete castanho escuro e selvagem. O cachecol se converte em esvoaçante linho enrolado no pescoço para enfrentar o frio do vôo em bimotores abertos que ele dominava quando jovem.
A janela se abre repentinamente, por acidente ou pela força inconsciente das suas próprias mãos, ele não sabe. O turbilhão invade a sala jogando pelo chão retratos, vasos e papéis. A boca ressecada se estica no mais triunfante sorriso e os olhos se fecham para conter apenas para ele seus sonhos…