O Centro da cidade fervilha com transeuntes encalorados e sérios. A praça repleta de pessoas que passam ou que ficam assistindo os artistas de rua prometendo piruetas parece fresca vista por trás dos vidros da lanchonete fast food e o religioso que prega sozinho dá a impressão de suar tanto apenas por estar inflamado com seus rígidos conceitos.
João e Márcio olham tudo isso sem ver. Eles estão entretidos com seus sanduíches e com os papos sobre o colégio.
“Cara, a Jô tá me dando o maior mole!”
“Fala sério Márcio! Ela tá é ferrada em física e quer colar de você!! Hahaha!! Tu é feio que nem um javali com dor de dente!!!”
“Ah! Que se foda! Eu quero é pegar ela! Não tô nem ai se ela tá apaixonada por mim ou não, aliás, melhor assim! Já pensou ela colada no meu pé?”
“Com isso você não precisa se preocupar João! Depois de te beijar ela vai sumir!! Hahahaha!!!”
“Ih!!! João, olha! Não é que que o maluco pulou mesmo? Eu pensava que esses caras ficavam só enrolando.”
Na praça os capoeiristas acabam de saltar sobre duas meninas.
“Márcio! Presta atenção!!! Olha as gatinhas que eles pularam!! Porra! A lourinha é gata demais! Vamo lá?”
Um menino de rua surge ao lado deles sem ser percebido pelo segurança e pede uns trocados. “Tem não cara” e um aceno negativo de cabeça o despacham. Márcio e João colocam suas mochilas mais protegidas enquanto o segurança finalmente aparece enxotando o moleque “Aqui não! Vai, circulando, eu já falei…”
Na praça o pregador não consegue disfarçar um olhar malicioso para as duas meninas, o Márcio recolhe com os dedos os restos da alface e maionese que caíram na caixa do sanduíche e o João dá uma última golada no refrigerante antes dos dois saírem para tentar cercar as duas moças a tempo de voltar para o colégio.
Por trás deles passa a Jô indo apressada comprar mídia de DVD para gravar o seriado que ela baixa toda semana da Internet e quase esbarra no pivete que agora procura uma vítima fácil para fazer um ganho. Ela segue sem notar nada.
Os camelôs assediam Alfredo que passa a caminho do escritório “Vista, Office, Photoshop” obrigando-o a desviar. Os berros coléricos do pregador quase o ensurdecem, mas apenas o Cláudio – que não faz ideia de quem seja o Alfredo – percebe sua expressão de desagrado e depois volta a se concentrar na carteira que está escolhendo na barraquinha precária instalado ao lado de várias outras num canto da praça.
Do alto um céu indecentemente azul e um sol absurdamente quente se derramam sobre a cidade que não para…
Imagem: Girl with heart baloon – Banksy