Os vidros embaçados do ônibus são proteção ineficaz para o frio ártico que corta as ruas do lado de fora.

Entre a chuva e o vento os habitantes da rua, descalços em sua maioria, tremem e se encolhem espreitando com olhos fundos e amarelados em busca de um refúgio, uma caverna, uma toca.

O ônibus abre sua porta num ponto para que alguns encasacados passageiros se atirem na intempérie para tratar dos seus negócios. Lá na frente, isolados, motorista e trocador se entregam ao torpor da rotina.

O mendigo, vendo uma oportunidade, esgueira-se abaixado para dentro do veículo aquecido acompanhado apenas da sua aura de rua, de falta de banhos e sonhos esquecidos, congelados.

Senta-se imóvel ao lado de uma moça desconcertada e até assustada. Sequer um músculo do pobre homem se move… A cabeça submissa encolhida entre os ombros, o olhar pequeno de esquilo que se esconde entra as pedras na toca de um urso. Nos pés descalços as chagas das longas caminhadas sobre o asfalto áspero. Alguns minutos depois se esgueira para outro banco, onde pode ficar só e não incomodar a moça que estava ao seu lado nem mais ninguém…