Entro no elevador fugindo de um dia de trabalho cansativo que termina depois da hora, bem depois da hora humanamente decente.

A luz fria que devia iluminar as paredes de metal me parece pálida, obscurecida.

Chego na calçada sob as marquises da Presidente Vargas. Deuses! Como o elevador estava claro! Tudo parece envolto em nuvens negras e os olhares das pessoas que passam são órbitas vazias e sem luz.

Venta. É um vento fresco, é verdade, mas levanta a poeira do dia sem afastar as sombras e me força a olhar para o outro lado. Em direção à Candelária.

Uma luz. É um ponto tímido, mas forte, que vem de trás da grande catedral.

Sem saber bem por que, talvez por não ter melhor destino do que me deixar levar pelo rio de ventos que flui violentamente em direção à Igreja, sigo a passos cansados para aquela luz.

O barulho ensurdecedor dos carros e o caos das milhares de pessoas deixando seus empregos e se esbarrando estão lá, mas meus sentidos abafados praticamente não os percebem.

Quase não preciso andar empurrado pelo vento. Me concentro em não ser projetado para frente de cara no chão. Meus cabelos já desgrenhados e sujos ma fazem sentir uma criatura estranha à cidade.

Lá está a luz… Uma vela. uma única vela acesa na minúscula praça que fica atrás da catedral. Diante dela uma moça de joelhos rezando, não, deve ser uma velha, o rosto parece franzido… Talvez não, é tão pequena, tem que ser uma criança.

O vento faz suas roupas tremularem como uma bandeira no campo de batalha, seus cabelos longos refletem rubros a luz da pequena vela que permanece alheia ao vendaval que a cerca. A criança balança ao vento enquanto seus lábios se movem. A moça parece pedir algo novo à firme luz da vela. A senhora, aquele olhar só pode ser de uma senhora, certamente chora o que se perdeu ao mesmo tempo que se despede corajosamente do que já não lhe serve do passado.

Minhas mãos encontram uma vela jogada em uma encruzilhada, meus pés me levam até aquela luz solitária e, quando percebo, estou de joelhos diante da minha própria vela acesa que enfrenta com facilidade o vento.

Estou vazio. Ah! Quantas coisas velhas eu carregava! Quantos futuros possíveis eu desprezava! Sinto lágrimas de alegria descendo por minhas bochechas. Um dedo suave e sujo colhe a gota. A mulher me olha compassivamente.

Trazida pelo vento a primeira página de um jornal cola no meu peito “Justiça! Monstros!” o vento cessa, o mundo se cala… nossas velas se apagam. Suas chamas vivas refugiando-se atrás dos nossos olhos, sob nossos corpos que se abraçam esperando a primavera.