O anoitecer assume um tom púrpura, as noites vão ficando cada vez mais quentes embora ainda seja primavera. É… Está chegando o dia do Beltane, o ponto máximo da primavera, quando a luz domina a noite tanto quanto o dia. Ele sabe que esta é a época do cio de Gaia e já espera por surpresas.

A realidade dos homens é um fino e frágil véu que só consegue se manter graças às cordilheiras de edifícios e fantasias que o afastam dos quatro ventos que circulam pela Terra impulsionando os ritmos da vida.

Um grupo de crianças passa por ele, fantasiadas de bruxas, monstros e super-heróis. Quando dá por si, sua mente está divagando por outros tempos, outras terras em que o solo começava a gelar nesta época do ano a caminho do inverno. Mas este é outro tempo, outra era, outra vida e, aqui, a vida explode, preenchendo o ar com pólen e causando-lhe coriza.

É incrível como, capaz de sobreviver à passagem das eras, ele pode ser tão vulnerável a esses caprichos de Persófone.

As esquinas já estão ocultas por sombras quando ele chega ao aterro do Flamengo, onde as árvores dominam novamente o solo. Ele se detém por um instante e reflete como toda a cidade parece apenas a fina casca de um ferimento sob a qual flui a seiva da vida: insetos, raízes e animais subterrâneos.

Entre as sombras de uma árvore cercada por suas altas raízes aéreas, ele enxerga um pequeno vulto. Deve ser aquele que emitiu o chamado que o atraiu… Não que aquele seja um local improvável para encontrar alguém, mas da sombra se estende um longo rabo que dança languidamente de um lado para o outro.

– Humm… Gato? Gato de Botas? – ele pergunta.

– Duas coisas me incomodam muito! – começa a responder a voz faceira, divertida e com um toque de ironia. – Uma é a cegueira dos humanos para tudo que é importante! Passam anos estudando os sistemas políticos, cidades e filosofias que inventaram, mas são incapazes de olhar para a lua e ver sua face sorridente! A outra é quando me confundem! Sou Maurício, primo do Gato de Botas. Você está me vendo usar algum chapéu ridículo?

É… será uma longa noite, mas certamente uma das mais divertidas, pensa o errante com seus botões!