A brisa fria da noite se enrola em espiral ao meu redor como uma amante suave e apaixonada.
O piado de uma ave noturna, o crepitar mecânico dos dispositivos do elevador no prédio vizinho, latidos distantes e casuais além dum ronco quase inaudível são as únicas testemunhas da nossa noite de volúpia e devaneios.
A noite e três longos quarteirões calam os sussurros dos carros, a voz da cidade, e quase nos esquecemos que centenas de milhares nos cercam com olhos ávidos colados em seus televisores ou monitores. Em nossos ouvidos só há espaço para o som do roçar dos seus dedos gelados nos meus pelos arrepiados.
No entanto qual seria a voz da cidade na ausência dos carros que alimentam suas veias, que – solitários glóbulos vermelhos – transportam o oxigênio que a anima?
As cidades da velha Roma eram animadas pelo ruído de poucas rodas e cascos e multidões de vozes. Talvez fosse esse o destino das cidades modernas na ausência dos selvagens dragões metálicos que as povoam.
Minha amante desliza sua língua gelada em minha orelha, mas o que ouço é a algaravia de músicas, conversas e programas que fluem mornos das janelas abertas dessa cidade imaginária repleta de gente.