– E agora? Faço o quê?
– Acende a vela e deixa pingar a cera na água. Não pode ficar olhando! Fecha os olhos!!
Uma a uma as gotas vão formando uma letra, ou pelo menos as meninas verão ali a letra do homem da vida de cada uma delas.
– R?? Mas não conheço ninguém com R! Que chato!!
A noite se deita e dorme ignorando os risos, cochichos e eventuais gargalhadas logo abafadas com medo de acordar os pais que dormem. Planos, sonhos e profundas filosofias adolescentes sobre o mundo melhor que ajudarão a construir, ou a vida boa que terão em sua própria casa com ou sem o marido, o tal com R.
Entre elas e o mundo claro que enxergam no futuro se colocam os anos trabalhando, os amigos da empresa (raramente mais do que uma sombra das colegas de escola em quem podiam confiar e com quem podiam rir de si mesmas).
À margem dos vales sonhados nas noites púberes com as amigas há sombras insuspeitas aos 16 anos que escondem os outros…
Aos 16 todos são conhecidos, até o CDF chato ou o playboy metido. Aos vinte e poucos os outros que se escondem nas sombras são espectros solitários incapazes de ver nos demais qualquer coisa além de ameaça iminente ou caça potencial.
Um dia também pingaram suas velas na água, mas se esqueceram e se perderam dos amigos daqueles tempos ou talvez da alma que tinham e agora espreitam à margem com medo. Com raiva.
Sem saber de nada as meninas continuam madrugada adentro carregando suas próprias luzes para afastar o véu noturno. Algumas se apagarão, outras jamais. Infelizmente quase todas terão que enfrentar as sombras que espreitam.
Imagem: São Jerônimo – Caravaggio