Imagem: Aaron Burden
A professora aprecia as crianças mergulhadas em seus desenhos, seus pequenos mundos de fantasia refletindo seus universos ainda tão ingênuos.
É uma turma feliz, ela pensa. Há tantas famílias se desmontando, tantos desenhos repletos de furacões cinza, pais ou mães ausentes ou violentos, mas não as crianças dela…
O primeiro traço… Assim que meu lápis tocar o papel para desenhar outra cegonha a outra na minha mochila já não valerá mais nada, mas está na hora…
… especialmente a menina logo ali compenetrada desenhando uma cegonha voando em um céu azul vivo, deslizando ao longo de um arco-íris entre nuvens que parecem pequenos chumaços de algodão. E ela desenha muito bem para os oito anos de vida que brilham em seus olhos verdes que, vez por outra, ficam cobertos pelos cachinhos dourados.
Estou suando? Minha testa está franzida? Não posso deixar transparecer o meu medo ou eles saberão! O desenho não me servirá de nada enquanto não estiver terminado…
É uma princesinha que, espera a professora, seguirá a vida como a maioria das colegas. Encontrará um bom marido, terá uma posição confortável na grande empresa dos pais ou de algum conhecido deles e atravessará a vida sem grandes altos ou baixos.
A professora está sorrindo para mim… Tenho que sorrir de volta naturalmente; fingir que não vejo as sombras ao redor dela! Elas vão feri-la! Tenho que continuar o desenho! Um arco-íris com novas cores! É disso que preciso!
Pode parecer vazio e superficial existir assim, entretanto por que a vida precisa ser plena e profunda? Não basta ser feliz? A professora gostaria de não ter que se preocupar com aqueles pequenos, mas numerosos demônios cotidianos do trânsito, das contas a pagar, do marido inseguro com o emprego, dela mesma insegura no emprego, da luta diária para ser reconhecida como uma pessoa potencialmente igual a todas as outras.
Isso tudo, no entanto, é irrelevante agora! Nesse momento somente suas crianças são importantes.
Sinto a respiração quente deles na minha nuca! Algo envolve meus tornozelos, algo como colocar os pés em um lago com águas quentes e fundo enlameado… E eles sussurram!
A professora olha para o relógio, a aula está quase no fim e suas princesinhas irão para casa com seus pais ou bebês. Provavelmente para aproveitar o resto da calorenta tarde de outono em um clube, na piscina.
Então por que sente seu peito denso como se um óleo negro e quente envolvesse seu coração?
Os olhos precisam ser a última coisa, olhos atentos! olhos profundos! olhos amorosos! Antes preciso imaginá-los na minha frente, como naquele dia, com toda força! Olho ao redor sorrindo, escondendo meu pavor ao ver que as sombras são como uma névoa feita de escuridão avançando entre minhas colegas, cobrindo o Sol que brilha lá fora. Eles tem rostos com órbitas vazias onde deviam haver olhos. Sombras é tudo o que vejo, mas finjo que estou apenas olhando ao redor, elas não podem saber, nem as sombras, nem a professora ou minhas amigas… O olhar da cegonha, é tudo que preciso ver, é onde tenho que focar todos os meus pensamentos!
Pego o pincel mais fino, misturo as cores certas e meu universo se torna aqueles olhos que vão se materializando em minha cegonha.
Mais um pequeno reflexo e…
– Muito bem! É uma das mais belas cegonhas que já passaram por essa sala! Parabéns mesmo! Posso ficar com ela?
A menina sorri para a professora o sorriso mais puro, daqueles em que os olhos brilham como pequenas estrelas
– Ah! Fessora! Eu faço outra pra você! Essa aqui eu prometi ao meu diário que seria dele!
Uma brisa suave percorre a sala a professora respira fundo sentindo o alívio das tardes lentas de outono. Sorri para a menina e beija sua testa liberando a turma logo em seguida.
Mamãe já deve estar lá fora! Essa foi mesmo a melhor cegonha que já desenhei! Espero que ela dure muito mais tempo que a outra…
Gostei das colocaes.
Parabns.
Wanderley