“Odeio o campo! Odeio o campo! Odeio o campo!”

Sua mente berrava dentro de sua cabeça enquanto caminhava pela rua de barro seco e irregular sob o sol indecentemente forte para uma tarde de inverno. O carro quebrado centenas de metros atrás já está fora do alcance da visão e não há sinal de viva alma a não ser por uma fumaça que sobe ao longe, uma casa com chaminé é o que ele espera encontrar.

A rua se transforma em trilha, a trilha em picada, o capim baixo roça em suas pernas e centenas de grilos e criaturas rasteiras correm assustadas. O ar não é abafado e há um vento suave, mas o calor do sol ainda assim atinge sem dó suas bochechas mal curtidas.

Depois de horas caminhando seus ouvidos aprendem a prestar atenção aos ruídos do campo, e até do bosque mais além, entretanto a casa está em um vasto espaço de vegetação rasteira. Sim, lá está ela e a fumaça avermelhada que sobe da chaminé refletindo os raios do sol que logo descerá sob o horizonte.

A porta está aberta, apenas levemente encostada. Pelas frestas o delicioso aroma de um bolo escapa envolvendo-o. Ele fica ali por alguns segundos embevecido com o delicioso aroma e começa a pensar se bate à porta, se bate palmas ou simplesmente vai entrando. Não está inclinado a fazer barulho pois há tanta paz nos ruídos que cercam aquela casa singela que parece-lhe impróprio perturbá-lo.

Quando está prestes a empurrar a porta uma voz vem lá de dentro “entre amigo! O bolo está pronto e o chá já sai!”

Timidamente ele entra, a porta range e estala ao abrir, como a madeira verde dentro de uma fogueira. Dentro da casa predomina a luz de uma lareira onde crepitam gravetos de árvores aromáticas. Uma névoa preenche a casa, misto da fumaça e dos aromas do bolo e do chá.

Ao lado de uma mesinha rústica está o anfitrião, um velhinho encarquilhado e encurvado pelos anos.

“Sente-se filho! Vai anoitecer logo e a floresta não gosta de visitas à noite, amanhã resolvemos seu problema! Por hoje vamos comer e beber para aquecer os corações para enfrentar o sopro gelado da lua…”

A despeito de todas as tentativas o velho não falou mais nada, apenas sentou-se ao lado da janela bebendo o chá de sua caneca fumegante e admirando a noite que cobre tudo ao redor com seu manto negro. Logo tudo que há é o sorriso plácido do velho, a casa e as estrelas… Mais estrelas do que ele jamais imaginou que pudesse existir!

Ao redor da casa nem caminho, nem chão, nem o canto do grilos, apenas estrelas e o sopro frio da lua que se levanta ao longe. Então ele percebe que onde deveria haver chão do lado de fora há mais estrelas, como reflexo da grande faixa de luzes lá no alto e dos meteoros que riscam a cúpula escura. É como se a casa estivesse oscilando livre da Terra, como se estivesse ali desde sempre, desde o nascimento das primeiras estrelas…

Depois daquela noite o chão em que ele pisava nunca mais foi tão firme quanto antes, mas sentia que podia segurar com firmeza nas estrelas do firmamento a hora que desejasse…