Saio de bicicleta para a inauguração da casa nova de uma amiga, justo enquanto jornais e tvs mostram os campos de guerra em que se transformaram as ruas do Rio de Janeiro.

Logo na General Osório encontro hordas enfurecidas com tochas nas mãos, desvio por uma das ruas paralelas onde os carros escondem pessoas assustadas que se espremem junto ao para-choques.

Sigo o caminho pela lagoa e tenho que me disfarçar entre as sombras dando graças por ter uma bicicleta velha e usar roupas ruins.

Entro por Botafogo em direção à praia manobrando entre os carros abandonados e os ônibus carbonizados e, a essa altura, já estou coberto de fuligem.

Paro e tento ajudar uma moça ferida que, em estado de choque, me ataca como se eu tivesse saltado das profundezas da terra para arrastá-la comigo. Sou obrigado a seguir meu caminho sujo com o sangue dela sem lhe oferecer socorro.

Ao chegar na Paissandu e derrapar no sangue que desce a rua já nem me importo mais, me juntei à turba insana que corre pelas ruas destruindo tudo, ricos, pobres, cidadãos de bem e cidadãos do mal misturados em eufórica entrega ao terror anunciado.

Este post tem que ir para o blog, não era para ter saído assim… Estou em casa e vou sair daqui a pouco, a história acima não aconteceu (ainda), mas a julgar pelo telefonema que recebi do meu pai ainda a pouco é a imagem que os jornais estão formando para quem comete a imprudência de assistí-los.

Só me pergunto se a violência e arrogância do crime estariam onde estão se, em vez de apertarmos cada vez mais o garrote a cada manifestação criminosa déssemos atenção aos mais de mil brasileiros mortos pela polícia do Rio todo ano e às dezenas que morrem diariamente nas periferias abandonadas pelo poder público e pela mídia. De nada adianta exterminar os velhos bandidos, e aqui velhos são jovens de 18 anos, sem eliminar os focos que transformam qualquer ser em potencial futuro criminoso.

A propósito, isso pode ser mesmo resposta aos grupos de extermínio como sugerem algumas agências estrangeiras?

Publicado originalmente no Multiply