De tempos em tempos a gente se empolga e escreve uns comentários tão grandes que seria uma pena deixá-los perdidos na rede social onde o escrevemos, né?
Hoje compartilhei o terceiro episódio de Cosmos (o do Carl Sagan) destacando a frase final:
“Ele preferiu a dor da verdade a suas ilusões mais caras. Esse é o coração da ciência”
O que estimulou comentários de duas amigas:
Amiga 1: Vou assistir depois… Mas sabe uma coisa que me incomoda? Esse “fanatismo científico” que se autoatribui a detenção da “verdade”. A verdade é que não sabemos quase nada e que toda hora mudam-se os paradigmas da ciência… E que sem as ilusões das nossas dúvidas nunca teríamos alcançado nada na própria esfera científica… Mas é só uma reflexão… =)))
Amiga 2: Não existe “fanatismo científico”. A ciência busca respostas baseada em observações, testes e evidências. Se novos indícios e evidências aparecem, é normal mudar de opinião – sempre baseado em provas. Quem imagina que a ciência não pode mudar de opinião, novamente, baseada em evidências, só precisa entender melhor o método científico.
Conhecendo as duas fiz o tal comentário enorme que acho que pode ser útil para outras pessoas:
É interessante ver duas gênias conversando e só eu sabendo que as duas são gênias
Como sou destemido vou entrar no meio
O fanatismo científico existe sim, tem até o termo cientificismo que basicamente se refere à ideia de que a ciência explica tudo.
Só que considero (e aqui concordo com a Renata) que os dois são anti-científicos e não passam de um tipo de religiosidade em sua manifestação menos sábia travestida de ciência para tentar se impor em uma era marcada pelo avanço do conhecimento científico.
Isso vai ficar do tamanho de um post…
Sempre que vemos “verdade” em um discurso ele não é científico. Todo conhecimento científico é inerentemente transitório.
Ok, é verdade que matéria atrai matéria na razão direta da massa e inversa da distância, isso foi vastamente demonstrado no Universo macroscópico, mas não vale para dimensões quânticas e a explicação de pq é assim ainda vai mudar muito (tem pelo menos 3 teorias distintas competindo indo do boson de higgs às supercordas e passando pela hiper-gravidade).
Cientistas são humanos, a história de Kepler mesmo, praticamente pai da ciência moderna (o método científico só se consolidou um pouco depois dele) se debatia entre o que percebia e o que achava que tinha que ser. Ele chegou a procurar Tycho Brahe porque, como o Universo não estava se comportando como sua hipótese sugeria, então era o Universo que devia estar errado. Ele foi portanto atrás de observações mais precisas que pudessem confirmar o que ele queria que fosse para corroborar a ideia de que era a mão de Deus que regia o movimento dos planetas.
É aí que entra a frase final desse episódio de Cosmos! Quando finalmente teve acesso aos dados de Tycho (um gênio da observação dos planetas) Kepler percebeu que seu modelo tinha que estar errado.
Kepler poderia ter negado as observações de Tycho, poderia ter se fechado em negação e teria sido esquecido pela história ou no máximo citado como mais um a se perder no caminho da busca pelo conhecimento, mas ele teve a coragem de ver como somos pequenos, como temos que ser humildes e saber reconhecer o que é um fato bem observado e ajustar nossas hipóteses em torno deles e não tentar inventar fatos que corroborem nossos sonhos.
Essa é a essência da ciência (aqui no sentido de pensamento científico pois muita gente confunde o conhecimento científico com o pensamento científico, é bom esclarecer): Preferir a verdade ao que agrada os nossos sentimentos.
Conheço bem as duas e tenho certeza que ambas concordam com isso.
Fica o alerta necessário de que temos que saber diferenciar o discurso pseudo científico do pensamento realmente científico.
E, claro, a metodologia científica não funciona plenamente quando não há a possibilidade de fazer medições, reproduzir as experiências ou submeter ao falseamento.
Imagem: Carl Sagan e o Sistema Solar – Fonte: Filmin