Quando era ainda bem criança, talvez no que se chamava na época pré-primário, me ensinaram que existiam números de 0 a infinito… Talvez nem tenham ensinado sobre infinito. O lance é que me deixaram acreditar que era isso e acabou.
Muito pouco tempo depois me apresentaram aos números negativos e daí em diante foi uma frustração atrás de outra, sempre me dizendo que agora eu sabia tudo apenas para, pouquíssimo tempo depois, contarem que tinha mais.
Até hoje, mais de 50 anos depois, continuo descobrindo números novos.
Talvez por isso tenha gente que se revolta com matemática, mas eu não, pelo contrário, adoro! O que me deixou com raiva foi tratarem crianças como alecrins dourados que seriam incapazes de lidar com a frustração de que tinha coisas que ainda não lhe ensinariam por um motivo ou outro.
Por algum golpe do acaso, algum livro que li, algum comentário que escutei ou mesmo uma ligação aleatória de neurônios que, por mero acaso, despertou uma associação de ideias específica, no meu caso acabei descobrindo o método científico.
Foi assim: pelo jeito sempre tem mais para descobrir e até mesmo ângulos diferentes de coisas que achamos que conhecemos. Pronto. Basicamente isso.
Claro que eu poderia ter partido daí para a pós-verdade, ou seja, para me agarrar a ideias confortáveis para mim e assumir que, se são confortáveis para mim então são verdades científicas. Em tempo: confortável nem sempre é agradável. Tem gente que fica confortável em se sentir só no mundo, a única pessoa digna das bênçãos de algum deus ou do conhecimento da verdade. Solidão não é agradável, mas pode ser confortável.
Por outra cadeia de eventos aleatórios ou que não consigo lembrar (muito embora provavelmente tenha a ver com o fato de eu ter lido sobre metodologia científica na pré-adolescência) acabei recebendo outras ferramentas do pensamento científico, como ter cuidado com o que confirma nosso viés, buscar evidências que não sejam subjetivas etc.
E o que tudo isso tem a ver com votar no Lula no segundo turno (votei também no primeiro)? Talvez você esteja pensando que vou dizer que só gente estúpida ou má vota no #%@$#%@#(@* (deu vontade de não escrever o nome). Nãnãnînãnã! Tá cheio de gente culta e inteligente que vota nele pelos mais diversos motivos passando por pânico moral em relação ao Lula (vale a pena dar um pulo no DuckDuckGo e pesquisar pânico moral), seja por ignorar coisas importantes sobre “o cara que não quero nomear hoje” ou até por saber tudo e realmente ser uma pessoa que tá meio que odiando o mundo… Vamos combinar que tem horas que dá raiva da humanidade mesmo…
O lance é outro.
Minha história com a sucessiva decepção por não avisarem que tinha um monte de coisas além do que estavam me ensinando e até que mudavam as formas de ver as próprias coisas que estavam sendo ensinadas, criou em mim um espírito investigativo e a necessidade de manter um distanciamento emocional.
É que me dava tanta raiva de não me anteciparem os mistérios pela frente que a vontade era parar de estudar. Além do mais sentir raiva me fazia muito mal (por motivos muito pessoais que não vou contar hoje). Também por motivos muito pessoais, passei a desconfiar de tudo que mexia muito com as minhas emoções, fosse positivamente, fosse negativamente.
Tá, essa última característica não tem nada a ver com a minha história com o aprendizado dos números. No entanto ela é o ingrediente final para as minhas decisões eleitorais desde 2018 (e até antes).
Muito embora eu não conhecesse o termo “pânico moral” eu ficava cabreiro sempre que apelavam para as minhas emoções para me convencer de alguma ideia.
Foi lá por volta de 2005, aqui mesmo nesse blog, que fui me tocando que estava rolando uma técnica de pânico moral em relação ao PT (post de 2007). Tem post meu da época falando coisas muito parecidas com o que “bolsomínions” dizem com um certo desespero (afinal são vítimas de estratégias de pânico). Demorei um bom tempo para escrever o primeiro post falando “pera… tem algo estranho nessa história“.
O resumo da ópera é que tem uma coisa que dispara ainda mais os meus alarmes do que ensinarem as coisas sem dizer que são apenas a ponta de um iceberg: usar as pessoas cercando-as de medo e terror de tudo, e preconceitos e estereotipações ficam dentro do medo também.
Além de ter visto o fascismo crescer no Brasil e até registrar isso aqui nesse blog mesmo desde aquela época (2005), tenho visto muita gente próxima, que já tratei como família ou que é família de fato, “virando gente má” que trata pedófilos, corruptos, vulgares, misóginos, homofóbicos, racistas, que lançam o povo na morte pela pandemia ou pela precarização do trabalho para servir aos interesses econômicos que os possuem – que período enorme! espero que você não perca o fio de meada – como líderes políticos ou mesmo mitos.
Não acho que essas pessoas tenham se tornado más ou que fossem más de verdade. O mal está em todas nós, mas pode ser destilado pela ignorância, pelo medo, pela raiva… Eu sei, eu sei, você acha que, se você não se rendeu ao pânico moral, então as pessoas que você conhece tinham que resistir também, só que cada um tem a sua história de vida. Eu tive a frustração com o ensino fragmentado dos números, outras pessoas terão outras histórias que podem torná-las mais vulneráveis. Pode até mesmo ser o azar da conexão aleatória errada de neurônios aleatórios no exato pior momento.
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