Imagem: S – O Navio de Teseu – Ed. Intrínseca

Armand, o vampiro de Anne Rice vivido por Antonio Banderas no cinema.

Naquele universo os vampiros são seres eternos, quase uma egrégora que desvanece apenas quando deixa de renascer a cada tempo. Um renascer paradoxal, claro, já que vampiros são, de certa forma, imutáveis. No entanto eles se renovam.

Tudo que não se renova está fadado a ficar perdido nas brumas dos mitos.

Um bom exemplo é Galactica e Battlestar Galactica que teve uma série praticamente fascista na década de 70/80 e outra que é o posto na primeira década desse século.

Você é uma pessoa esperta e já percebeu onde estou querendo chegar, não é?

S – O Navio de Teseu é um livro moderno de papel com algo dos livros “de verdade” anteriores àquela máquina horrível de Gutenberg. É bem provável que um nobre leitor medieval acostumado a obras feitas artesanalmente à mão não visse muita diferença entre os livros impressos e os modernos Kindles (quem sabe até não se encantaria com as letras mágicas que mudam de tamanho e de tipo rejeitando o papel impresso morto e preferindo o digital, mais próximo dos livros “de verdade”?)

Ainda não li S, então esse post não é sobre ele, mas sobre a paixão insana (lamento amigos, mas ma parece insanidade) pelo papel. Mesmo hoje que temos papel que é na verdade uma liga de plástico e letras impressas por máquinas frias e tintas com cheiros ácidos, tão diversas daquelas que perfumavam as obras de papel até os anos 80.

Quando rejeitamos o livro e escolhemos o papel e a tinta, qualquer papel e tinta, fazemos como o fanático religioso que se nega a observar a grandiosidade do Universo obcecado com a visão que os tataravós dos seus tataravós e tantos outros tatara-alguma-coisa foram capazes de conceber há milhares de anos.

É bom que livros de papel, de pedra, de tecido, de gelatina sejam concebidos no século que antecede o despertar da humanidade (ou quem sabe que o testemunhará?) trazendo de volta a arte antiga, mas é bom que estejamos atentos: eles serão mais um golpe nos livros de papel simples.

Os livros de papel construídos como arte, além de terem inevitavelmente tiragens limitadas, estabelecem novos padrões de qualidade chamando a atenção para o fato de que um livro de papel moderno é apenas um livro digital com defeito que em quase nada se assemelha aos livros de papel que ainda povoam nossa imaginação.

Ah! E humanos enxergam, tateiam, farejam e degustam mais com a imaginação do que com os outros sentidos.

O livro de papel que você tira da prateleira da livraria é uma ilusão. Você o percebe pelas lentes das suas expectativas e, assim que um livro de papel de verdade cai em suas mãos a realidade começa a atravessar o véu das suas ilusões.

Morrer é parte da vida, renascer também. Faremos isso inúmeras vezes até que a morte final chegará, aquela que interrompe nossa sequência de renascimentos.

É muito triste morrer em vida.

Isso não quer dizer que devemos parar de ler livros de papel, mas, lembre-se, a magia dos livros não está em pintar de preto pedaços de celulose, está nas palavras, frases, sequências, laços, imagens, sensações, expressões e formas inesperadas que o artífice das palavras é capaz de esculpir a tal ponto que nos deslumbramos apenas com o fluxo.

Arte, aliás, que não está em todo livro… Que está em poucos livros.

Nada contra também as histórias que fluem grosseiras, simples, sem qualquer elaboração. Muitas delas são inspiradoras e importantes para a humanidade, são apenas… incompletas. Como árvores sem flores ou sem frutos.

Enfim, não se trata de trair o papel e a tinta e sim de amar tão profundamente a literatura que não nos importa onde ela está gravada.