Imagem: Jornal O Globo

O maior best seller da bienal. 75 mil exemplares na primeira edição. Mais de 4 mil vendidos só na Bienal. A pressão dos pedidos já fez a editora encomendar mais 120 mil exemplares. São quase 200 mil livros.

No Brasil raramente um autor nacional vende 30 mil livros (e demora um tempo para chegar a isso).

É o primeiro livro da autora. Ninguém sabe se ela escreve bem. Não é sua literatura que querem consumir, é sua história.

Não, ela não viveu na Síria nos últimos 4 anos. Sua história é muito parecida com a de muitas jovens mulheres por aí: bullying porque não se enquadrava no padrão de beleza e de comportamento, sensação de inadequação e, finalmente superação através de algum tipo de sucesso. No caso, um canal no YouTube onde ela fala da vida dela atraindo quase seis milhões de assinantes. De um modo geral é apenas uma mulher comum de 22 anos.

Pela forma que eu apresento é fácil imaginar que acho que é ruim que ela seja o maior fenômeno de vendas da Bienal do Livro (um dos maiores da nossa história, convenhamos) e realmente acho discutível.

Tem lados bons e ruins, como tudo.

A Kéfera é espontânea e em geral faz bem a quem a assiste. É bom que seja ela a atingir essa marca e não alguma pessoa cheia de preconceitos. A propósito isso diz muito a respeito da nossa sociedade: os padrões de ídolos que ela escolhe quando pode escolher literalmente qualquer um e não somente os que passam pelos filtros das gravadoras, TVs e editoras.

Quem não conhece a moça deve passar a conhecer, vá lá dar uma olhada no canal dela, o 5incominutos (cinco minutos tudo junto e com o número 5 no lugar da letra “c”).

Talvez o lado ruim não seja o sucesso dela, mas a falta de sucesso de escritores mais experientes e que produzem cuidadosas obras de literatura ou pelo menos histórias empolgantes.

Não estou falando que o livro dela é ruim (afinal ninguém leu ainda), mas que não é isso que importa, não estão comprando o livro, estão comprando a Kéfera.

Tenho certeza que ouvirei muita gente dizer que alimentar um mercado de venda de vloggers pode destruir o mercado editorial reduzindo-o a livros de colorir, conectar pontos e páginas impressas que vendem somente pela popularidade do autor.

Como amante das palavras bem esculpidas me sinto tentado a concordar… Só que não me parece lógico. Essas pessoas ou nunca comprariam um livro ou leem outros livros (como o cara que lê Shakespeare e Tolkien).

A questão é pensar em como estamos tratando os nossos livros que existem pelas histórias ou forma como moldam as palavras e não pela força da popularidade do autor ou do tema.

Qual é a energia que você dedica aos livros? Ao lê-los e a falar deles para os amigos? Com que frequência você dá livros de presente? Há quanto tempo escreveu a última resenha sobre um livro?

Vamos nos lembrar que o sucesso da Kéfera pode até não fazer nada pelo mundo da literatura (mas provavelmente fará algum bem), entretanto não é ele que atrapalha o crescimento da leitura no Brasil e, não, também não é a Globo ou o governo que atrapalham.

Sabe, inventaram essa tal de Internet que permite que uma guria de 17 anos se torne o maior fenômeno editorial de uma das maiores feiras de livros do mundo antes de chegar aos 23 anos. A Internet está ai para ela usar e para todos os outros também. Arregace suas mangas, vá fazer seu vlogg, blog, Medium, junte com amigos para fazer um coletivo online sobre literatura, publique suas obras nas Amazons da vida.

Dois dias depois…

Saiu no G1 que a Bienal do Livro deve ter apresentado um aumento de 10% graças aos jovens e desenvolvi um pouco mais as ideias acima:

Você mostra isso e diz que estamos criando uma geração de leitores e vem alguém dizer que você é otimista, que livro de vlogger, de blogueira, de padre não é livro.

Cara, chamar alguém de otimista ou de pessimista é o mesmo que dizer que a mãe trabalha alugando o corpo! Essas pessoas que chamam os outros de otimistas que tomem vergonha nessa cara e assumam que são pessimistas (e liguem para suas mães para pedir desculpas).

Sim, seria melhor se esses jovens estivessem lendo… Ahhh… Pera aí! Não vou facilitar não! Eu não vou dizer nenhum autor ou autora modernos de “alta literatura” facilitando para os pessimistas que, geralmente, pararam em Shakespeare ou Machado de Assis.

Tá certo, seria sim, mas quando não há uma cultura em torno de algo é necessário criá-la antes.

Há 40 anos já não existia uma cultura de ler e foi com um monte de porcaria (pensamento positivo, ufologia) que comecei a ler. Só depois fui para o Fernando Pessoa, Cruz e Sousa etc.

Então pare de procurar razões para colocar um cartaz de “o fim está próximo” no peito e pense no que pode ser feito para potencializar esse crescimento constante dos leitores.

Que tal escrever contos em um blog ou na Amazon? Talvez até uns livros?