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Advertência: Violência extrema / #Gatilhos

O Conto

A sala está repleta de universitários e universitárias atentos à aula da professora Elisângela, doutora em história da violência coletiva.

– Seu corpo foi arrastado por um quilômetro até o local da execução, aldeões e nobres cuspiam e gritavam “assassino! Monstro!”. Crianças como as que ele matou também acompanhavam o evento. Ele então é colocado em uma plataforma de madeira com cerca de um metro de altura para que a multidão possa vê-lo enquanto seus braços e pernas são estraçalhados a golpes de uma barra de ferro manchada com o sangue de muitos outros que foram torturados com ela, mas esse é apenas um pequeno suplício pois, enquanto a multidão se regozija com o sabor da vingança suas vísceras são arrancadas e exibidas para ele mesmo e depois para a multidão que urra. Os carrascos experientes não deixam que ele desmaie e prosseguem com as torturas até que, quase morto, ele é pendurado pelo pescoço enquanto pedaços dos seus intestinos ainda emergem dos cortes em seu abdome. A multidão ainda demora a se dissipar observando com prazer os espasmos involuntários do criminoso moribundo.

Os alunos observam com variadas expressões de nojo, uns poucos são menos sensíveis ou, amortecidos pelos filmes e jogos violentos simplesmente não conseguem estabelecer laços de empatia nem com a multidão, nem com o criminoso torturado.

– Por que essas caras de nojo? – Elisângela imita a expressão dos alunos – A cada crime que assistimos na TV surgem hordas de amigos em nossas redes sociais pedindo, aliás clamando, por vingança, por punições cruéis para os monstros. Nosso sistema presidiário é um sistema de vingança e tortura e mal se fala em alterar isso porque a esmagadora maioria de nós deseja a vingança como instrumento de justiça. A justiça em si não é um impulso natural para nós, humanos. Ela deve ser conquistada individualmente e construída socialmente através do desenvolvimento da empatia e, admito, nesse desenvolvimento a Internet tem um papel importante ao mostrar que são poucas as diferenças entre as pessoas. Pelo menos para alguns de nós… Para outros o que parece pequenas nuances culturais, morais ou religiosas são barreiras intransponíveis.

Um homem na faixa dos 40 anos observa a aula do fundo da sala. Elisângela o nota, deslocado naquele meio, com rugas na testa que denunciam perplexidade e esforço para entender o que está sendo dito.

Ao fim da aula alguns alunos ficam para tirar dúvidas sobre o trabalho que deverá ser apresentado ou para fazer observações querendo se mostrar para respeitada, e temida, professora.

O homem os observa trocando ideias enquanto a professora arruma suas coisas, desliga e guarda o notebook até finalmente interromper os alunos dizendo que precisa ir. Vira-se para sua ajudante, uma das alunas, e diz “Ana Beatriz, por favor, deixe isso na secretaria, sim?”.

O homem se aproxima quando Elisângela está se dirigindo para a porta.

– Com licença doutora Elisângela, lamento muito incomodá-la, mas sua aula realmente é Perturbadora. Num bom sentido, pelo menos para mim.. Errr… Perdão, estou começando isso errado… Sou Antônio Fernandes, investigador de homicídios da polícia federal. Um colega me sugeriu que visse uma das suas aulas pois a senhora talvez possa me ajudar em um caso.

– Lamento senhor… Antônio Fernandes, certo? – Ela repete lentamente o nome dele como se o estivesse fixando na memória para uso futuro. Que uso ela teria para o nome dele não é claro – Mas eu não tenho interesse em casos isolados, individuais, entende? Minha área de pesquisa é a perversidade coletiva, ou seja, não estou preocupada com o pedófilo assassino do do século XVI ou com o do século XXI, eles são fenômenos psiquiátricos e minha especialidade são pessoas comuns que agem como psicopatas em resposta à dor ou ao medo. O departamento de psicologia é do outro lado do pilotis.

Ela se vira e segue seu caminho sem dar mais atenção ao policial. Não se trata de medo de participar de uma investigação que pode levá-la a entrar em contado com a perversão humana; com mais de 50 anos Elisângela já viu de tudo, já se expôs a mentes criminosas buscando nela mesma a semente do ódio que as multidões demonstram. Já foi a países muito mais cruéis que o Brasil para assistir execuções públicas e não teve nem prazer e nem aquela perplexidade com ânsia de vômito que, no final das contas, também é uma forma de empatia com o ódio da população, mas uma empatia condenada pelo ego que então se enoja. Elisângela é indiferente para esse tipo de ódio. Isso é apenas parte da sua pesquisa: o desejo de vingança selvagem é natural do homo sapiens?

Antônio Fernandes, no entanto, a acompanha.

– Por favor, me permita lhe pagar um café, um chá ou um suco para lhe explicar o caso, tomarei apenas cinco minutos do seu tempo e talvez você possa me indicar alguém melhor para me ajudar, muito embora eu desconfie que lhe serei útil também.

Ela para, vira para ele, jovens passam pelos dois como modelos desfilando numa passarela, como pessoas vagando entorpecidas entre dois destinos ou conversando animadamente sobre o que fazer à noite ou ainda sobre os estudos.

– Está certo. Você tem 5 minutos. Comece. Aqui mesmo, se você me convencer marcamos o café amanhã. Hoje só tenho esses 5 minutos pois minha sobrinha me espera para ir ao cinema.

Surpreso imaginando uma pessoa como ela levando a sobrinha ao cinema e constrangido por falar com tantas pessoas por perto Antônio começa a vender seu peixe.

– Come?ou há quase dois anos. Uma família de 5 pessoas morta na própria casa. Pai, mãe, um filho, uma filha (com menos de dez anos) e um avô das crianças. Todos amarrados a cadeiras, mas a cadeira do avô estava sobre uma mesa de centro e as outras em semi-círculo ao redor dele. Atrás do avô a televisão ligada no History Channel. Foi verificado que, na hora das mortes, passava um programa sobre torturas medievais. O avô morto como o criminoso que a senhora acaba de descrever… Bem, pelo menos a parte das vísceras retiradas. Um corte na jugular substituiu o enforcamento e os membros não estavam quebrados. Um papel em seu colo tinha a palavra “pedófilo” escrita com a letra de uma das crianças. As vísceras foram jogadas sobre a família que, ao que tudo indica, foi morta depois do avô com cortes longitudinais nos pulsos. O assassino deve ter assistido até que a última centelha de vida os deixasse pois nenhum deles estava amordaçado quando foram descobertos. Esse foi o primeiro. Todos os crimes seguintes sugeriam um tipo de execução. Os criminosos são homens e mulheres supostamente adúlteros, assassinos, espancadores de mulheres. No entanto o mais intrigante para nós é que as testemunhas são sempre suas supostas vítimas e também foram mortas de formas cruéis, ainda que não tanto quanto as reservadas aos supostos criminosos.

– Muito bem, Antônio Fernandes. Você ganhou a minha atenção. Esse é o meu cartão com o meu email. Envie hoje ainda as datas e horas estimadas dos crimes e somente a acusação dos executados e a relação deles com as vítimas.

– Só uma outra coisa, Dra. Elisângela. Teve uma mudança de padrão há seis meses. Até então todas as execuções ocorreram no fim da tarde, mas as três que ocorreram nos últimos seis meses foram durante a madrugada.

– E nunca num sábado, imagino…

– Realmente, Dra. Nenhum dos 12 crimes foram num sábado. Nem num domingo.

– Envie o email e nos encontraremos amanhã às 10h da manhã, pode ser para o senhor? Tenho que ministrar uma aula de tarde até as 19h, mas teremos mais de 2h para conversarmos. Agora eu realmente preciso levar minha sobrinha para ver Operação Big Hero.

Antônio Fernandes agradece e segue seu caminho para o escritório pensando na surpreendente frieza daquela mulher ao trocar de assunto de uma série de assassinatos cruéis para o filme infantil e ingênuo que verá em breve. Ele não consegue assistir um filme infantil desde que pegou o caso há quase um ano.

–//–

O campus da universidade está deserto há horas. Apenas um segurança passa pela porta e pelo pilotis de tempos em tempos, sem regularidade e sem disposição para percorrer todo o campus. Se a universidade realmente se importasse com os estupros que ocorrem ali à noite a guarda seria mais empenhada, mas não é, afinal por que uma jovem ficaria até depois da meia noite lá sabendo que há riscos? É claro que sempre acontece com as mais dedicadas que precisam dos equipamentos sofisticados de química, computação e medições físicas, mas é um risco que elas conhecem.

Elisângela caminha pela alameda escura ouvindo os sons noturnos. A vegetação parece devorar os sons dos carros que viram murmúrios distantes como se não fossem motores movidos a explosão.

Uma mente mais simplória se assustaria. Em sua mão ela carrega um punhal, uma linda peça de antiguidade, com a lâmina curva e serrilhada para se tornar uma arma mortal ainda que pequena.

Ela começou a dar aulas apenas há seis meses quando passou a ficar ocupada de tarde, antes disso, nos últimos três anos estava envolvida em dois doutorados e tinha horários mais flexíveis.

Uma horas antes, se o segurança desse atenção aos seus instintos, ele teria ido verificar um baque surdo que veio de perto do rio, mas ele imaginou que devia ser apenas uma pedra se soltando ou talvez um casal de jovens namorando.

Ele teria visto a silhueta de uma mulher caminhando perto do rio em direção ao biotério da universidade seguida de perto por um grande vulto. Teria visto esse vulto se aproximar dela por trás e em seguida o baque surdo, um corpo caindo no chão… Vários minutos de silêncio e depois o som de alguém sendo arrastado em direção ao bosque.

Mais uma hora antes, por volta da meia noite, talvez alguém tivesse notado o grupo de seis jovens universitárias que entrou no mesmo bosque separadamente encontrando-se minutos depois no ponto indicado no mapa que receberam de alguém em quem confiavam. O bilhete tinha apenas as instruções para chegar na localização e a palavra “justiça”. Elas o receberam em mãos. Infelizmente ninguém viu.

São quase duas horas da manhã e Elisângela está se dirigindo ao bosque sozinha, seguindo seus instintos. Segura do seu poder.

Ela ouve o som de galhos cedendo a um peso e de cordas se esfregando na madeira verde. Há uma clareira logo à frente. Entre os galhos ela vê seis moças amarradas e amordaçadas. Diante delas pende um corpo de cabeça para baixo, um homem com certeza. Ela sorri satisfeita. Entre as moças está uma das suas alunas, Sabrina… Ela não tem certeza do nome. Será que elas se mostrarão dignas do teste?

Colado nas costas do homem um cartaz onde se lê “Estuprador”. Ele está vivo e se mexe testando sua prisão na esperança de um dos galhos se romper, mas é inútil.

Elisângela busca o carrasco ao redor. Talvez ele esteja esperando as moças acordarem, certamente foram dopadas de alguma forma para serem amarradas sem oferecer resistência. Inteligente.

Do alto de um galho um vulto observa a clareira aguardando. Acertando os últimos nós que prendem o homem que acaba de ser pendurado ali. Com a mão coberta por uma luva o vulto seca a testa e desprende um suspiro misto de alívio e e expectativa.

Elisângela não precisa ver o vulto, ela sabe exatamente o que está acontecendo ali: Uma experiência para testar suas hipóteses sobre o mal essencial nos humanos que se manifesta através da distorção da justiça em vingança, da deturpação do alívio da segurança no prazer com a dor alheia oferecida aos Deuses para aplacar a dor que nós mesmos sofremos… Mas os Deuses no caso somos nós mesmos… Uma corrupção providencial que nos confere o direito de manifestar fúria e vingança divinas.

Ao lado do homem pendurado há um serrote grande. As moças começam a despertar.

Hipnotizada pela cena, Elisângela sai das sombras e se dirige às alunas sem lançar um olhar para o homem pendurado. Elas a reconhecem e seus olhos se mostram aliviados.

– Vocês estão bem? Estão despertas?

Elas confirmam com as cabeças, mas Elisângela não as desamarra, não retira as mordaças…

– Vamos ver esse rapaz? Bem, ele não aparenta mais de 28 anos e tem o olhar bem… Isso é raiva? Com um pouco de medo, certo? Você viu o serrote, meu jovem?

Ela pega o serrote e o apoia entre as pernas do jovem pendurado de cabeça para baixo. Olhando para as meninas ela explica.

– Essa era uma forma comum de tortura no século XVI: Com o objeto da execução de cabeça para baixo o sangue se acumula na cabeça prolongando a consciência mesmo enquanto ele é serrado entre as pernas dilacerando lentamente seus órgãos genitais. Carrascos mais experientes e fortes conseguiam ir muito além disso atingindo órgãos vitais muito antes do objeto da execução finalmente perder os sentidos… Mas era comum eles continuarem serrando para o deleite da plateia que deseja o direito à sua vingança.

As seis moças olhavam para o rosto apavorado do jovem com um certo prazer… A dor do medo dele não se compara com o que ele as fez passar, à marca que ele lhes deixou para toda a vida, as imagens que elas lembrarão quando estiverem com a pessoa que amam, com quem vão se casar e, talvez, ter filhos.

– Ele estuprou cada uma de vocês, certo?

Elas concordam com a cabeça, os olhos agora vidrados nos olhos da professora Elisângela.

– Vocês merecem ser vingadas. Temos que evitar que ele fira outras mulheres… Somos civilizados, mas uma serradinha à toa pode resolver esse problema para sempre.

Ela pisca para as alunas que talvez imaginem que ela está mesmo só blefando.

Lentamente ela começa a serrar a calça jeans do jovem. O tecido grosso treme entre suas pernas ainda sem se romper, o ruído do serrote crepita em seus ouvidos, lágrimas correm dos seus olhos, mas ele não emite um som. Decepcionada a Dra. serra com um pouco mais de força parando no entanto antes que o jeans se parta.

– Você é mudo, rapaz? Bem, já vou continuar, temos uma longa noite pela frente e seis moças para agradar, não é meninas?

Se alguém pudesse ver os olhos do vulto três metros acima do grupo veria o brilho do júbilo e da expectativa de ver o desenrolar da execução.

Nesse momento Antônio Fernandes está conversando com o segurança no portão da universidade. Ordenando ao homem que não deixe ninguém passar por aquele portão sem ele e, em seguida, mergulha nas sombras do vasto campus sem ter muita certeza de onde ir.

– Então moças, vocês mandam! Devo “desativar” esse pervertido? Vocês querem vê-lo sofrer? Sentir dor? Vocês o querem aleijado para o resto da vida ou querem que o resto da vida dele se resuma a… vejamos… quanto tempo eu demoraria até que ele estivesse acabado? Umas duas horas, acho. Duas horas de muita dor… Será assim, vou começar e pararei quando nenhuma de vocês olhar para ele por mais de um minuto.

Então ela começa a serrar novamente, o jovem se debate ainda sem emitir um som… A calça se rompe… os dentes do serrote começam a singrar pela carne macia… Uma das moças olha para baixo desviando o olhar… O serrote continua seu movimento, um filete de sangue mancha a calça. Outra das moças vira o rosto para baixo e para o lado fugindo o máximo possível das imagens, implorando com os olhos que as outras parem de olhar.

– Já basta! – Elisângela fala em alto e bom tom – Até aqui feri apenas superficialmente a perna desse estuprador. Saia das sombras isso tem que acabar.

O corpo ágil se atira sobre a Elisângela desequilibrando-a. Um chute certeiro nas costas a derruba no chão e, antes que ela possa reagir, suas mãos estão amarradas às costas. Foi mais rápido do que ela imaginava, mas seu grande trunfo era sua inteligência contra a mente distorcida de um psicopata. E o investigador Antônio Ferreira não devia demorar muito a atender o SMS que ela lhe enviou assim que encontrou a clareira com a cena macabra.

– Eu esperava mais de você Dra. – a voz feminina é suave e decidida – a senhora sabe dos horrores que vamos viver se não dominarmos a barbárie em nossa herança genética conforme o mundo mergulha nos séculos negros caóticos do clima desértico e congelado da era pós aquecimento global. Eu li tudo que a senhora escreveu e sei que essa é a razão da sua pesquisa. Algo me diz que terei pouco tempo… É melhor continuar o experimento enquanto conversamos. Observe atentamente professora, essa é uma oportunidade que nenhuma banca de doutorado lhe permitirá ter. Observe bem o olhar das quatro vítimas… Veja que as outras duas também voltarão a olhar quando perceberem que o castigo é inevitável, que não é culpa delas. Que eu não pouparei o criminoso ainda que as seis virem a cara e implorem para que ele seja poupado. Quando outro tiver o poder sobre a vida e a morte elas se regozijarão com a vingança.

– E você as matará também por serem apenas humanos normais com um desejo de vingança… Isso é insano Ana Beatriz!

As outras moças não tinham reconhecido a assistente da professora Elisângela. Quando o investigador Antônio falou na mudança de comportamento a possibilidade ficou bem clara para a doutora.

– Infelizmente não posso deixar testemunhas ou as minhas experiências serão interrompidas. Tome, esses são o login e senha do meu Dropbox. Se eu falhar você achará todas as minhas anotações lá, certo? Eu sei que você entenderá que não estou insana. Não tenho qualquer prazer nessas mortes, mas temos que determinar as origens genéticas desse impulso que eu não tenho e, acredito, a senhora também não.

Enquanto fala ela posiciona o serrote entre as pernas do jovem e passa a serrar com vigor agora no ângulo certo.

– Sabe, ele não berra porque eu anestesiei sua garganta e cordas vocais. Ele ia me estuprar hoje… Venho seguindo seus passos, estudando seu padrão. Ele estupraria a vida toda se não fosse impedido. E vocês sabem quantos estupradores foram definitivamente retirados da sociedade? Pfff! Quase nenhum! Meninas, vocês não tem culpa de terem sido estupradas assim como não tem culpa do sofrimento e morte desse pobre diabo pelas minhas mãos. Eu irei até o fim independente do que vocês façam. Sabem, não posso serrar muito rápido senão ele desmaia, mas fiquem tranquilas, eu garanto que vocês terão toda vingança de que merecem.

A voz grave de Antônio interrompe o festim.

– Abaixe lentamente esse machado moça. Estou com uma arma apontada para as suas costas!

– O policial! Você o chamou professora? Esperta… Não notei… Senhor policial… Esse homem está apenas levemente ferido… Creio que ele ainda poderá se recuperar totalmente e voltar a estuprar.

Ela coloca as duas mãos na cabeça e se vira para ele lentamente. Seu rosto é plácido, não há nos olhos o brilho do prazer psicopata. Ela parece uma carinhosa vendedora de rosas.

– Moça, você matou dezenas de pessoas inocentes e pelo jeito ia matar mais sete depois desse infeliz aí.

– Esse infeliz matará muito mais do que eu, oficial… As mulheres que engravidarem dele, que foram tocadas pelo seu ódio, perpetuarão o impulso selvagem pelo sofrimento alheio. Pessoas como ele são responsáveis pela morte de milhares! Me deixe terminar o serviço e será menos um malandro no mundo para te dar trabalho e ser solto infinitas vezes. Eu deixarei as moças irem, que tal? Veja só! Podemos fazer uma aliança e você me indica apenas criminosos para eu usar na minha pesquisa!

– Ela está mentindo, Antônio. Ela precisa de pessoas consideradas comuns e de várias etnias e conjuntos genéticos para construir a teoria distorcida que ela tem em mente.

Agilmente Ana Beatriz se desvia para trás do jovem pendurado e corre em direção às árvores. Se Antônio Fernandes tentar atirar pode acertar o estuprador ou as meninas amarradas em semi-círculo. Ela consegue desaparecer entre a vegetação densa.

Por alguns segundos Antônio olha para a professora pensando no que fazer então desamarra seus pulsos e corre de volta ao portão.

Ao chegar lá encontra o que temia. O segurança desmaiado, uma seringa fincada em sua barriga, alguma droga com certeza. Ana Beatriz escapou…

 

Observações

Apesar de ter explicado quase tudo, dei um final um pouco abrupto para o conto, um “continua” no estilo dos seriados da década de 70.

Se tivesse tempo de desenvolvê-lo um pouco mais teria uma cena ambígua da professora Elisângela soltando as alunas e o estuprador, mas deixando ao leitor a dúvida de até que ponto ela não seria parecida com a Ana Beatriz.

Gostaria também de deixar a Ana menos psicopata… Fazer dela alguém dessensibilizado, mas aparentemente saudável.

O elemento de terror pode ser melhor desenvolvido também. O conto acabou sendo mais suspense que terror e tem um bom material para terror realista nele.

Outra coisa que pensei em desenvolver é uma história paralela no século XVI, mas isso exige uma boa pesquisa.

Hangout

O processo criativo

[8:01]Vou me atrasar, é mole? Demorei 40 minutos para trocar uma tomada e poder ligar a máquina de lavar roupa de novo… Vou tomar um banho agora e já volto?[8:20]

Vejamos o que terei que escrever… Empate em três das quatro categorias! E agora? :-)

  1. Terror e Suspense: Ok, dá para fazer os dois na boa
  2. Adulto
  3. Passado e Presente: até já fiz um conto assim
  4. Scifi e Realista: Bem… Em tempos de Gravidade e Interstellar até que a ideia de scifi realista não é tão estranha… Será que consigo fazer um scifi realista que as pessoas não critiquem como aconteceu com os filmes realistas recentes? O problema é que, no contexto do meu formulário as ideias de scifi e realista são opostas… Entendo realista mais como: cotidiano.

Tenho preferido escrever coisas realistas por vários motivos. Acho que é menos natural para mim e é uma abordagem que anda esquecida.

Um dos pedidos por realista sugeriu século XVI… época do descobrimento do Brasil… Uau! Fico lisonjeado que as pessoas achem que tenho essa cultura toda para fazer de sopetão um conto realista ambientado há 500 anos. Na real eu não tenho. Apesar de ter lido algumas coisa ambientadas na época como os livros do Antônio Torres sobre esse período e um outro cujo nome me escapa agora… Um francês, acho, que conta a história de um casal de crianças que vem fazer parte da invasão do Rio de Janeiro por Villegagnon. Tem algumas tentativas de ler Paraíso Perdido do John Milton (se bem que ele é de 100 anos antes, né?) e Shakepeare que adoro, mas isso me lembra que o mundo sempre foi “vários mundos” e as colônias viviam em um mundo muito diferente daquele dos Europeus… Ainda havia torturas cruéis no século XVI se não me falha a memória… Coisas que fazem o terrorismo fanático moderno parecer brincadeira de crianças.

Já sei… Pode ser um suspense de terror realista no presente que tem suas origens no século XVI… E adulto.

O que pode ser realista no século XVI e deixar um rastro de terror? Não, um rastro de suspense que se desdobra em terror no presente. A história de uma família talvez? Um ódio ancestral que se converte em um ato de terror? Uma trama que sugere terror trash. Não curto escrever terror trash… Ainda que goste de assistir algumas vezes.

Ok, então algo acontece no século XVI que deixa uma marca, um mistério. Em 2015 esse mistério levará o terror aos protagonistas da nossa história… Ou será que os protagonistas serão os agentes do terror? Isso começa a ficar mais interessante assim… Não é tão comum o monstro ser o protagonista… Melhor ainda seria se o leitor não soubesse quem é o monstro (se bem que isso eu já vi um bocado… Tem até um filme assim com o David Boreanaz).

Quando estou procurando a história frequentemente penso “Não vai dar tempo de achar uma história legal e escrever em 4h”. [8:42]

Um tesouro escondido é muito lugar comum… Um segredo que tem importância depois de 500 anos? Difícil pensar em um que seja verossímil. Será que dá? Pera aí… Estamos em tempos de questionamento de visões fanáticas que distorcem religiões e posições morais e políticas… Talvez seja interessante um personagem que, de forma irracional, considere que o descendente de alguém do século XVI é um tipo de monstruosidade… Mas não como no segundo conto que escrevi onde existe um caráter sobrenatural. Não quero nada sobrenatural nesse (afinal é realista, e vou deixar o scifi de lado).

Já começa a se delinear uma história na minha imaginação… Terror realista me puxa para psicopatas, mas acho mais assustador, e temos visto com mais frequência, pessoas que não são psicopatas tendo comportamentos psicopatas em decorrência de uma visão distorcida do mundo, mas também não farei essa distorção ter um caráter religioso por dois motivos: 1) É muito lugar comum; 2) Essa é uma boa oportunidade de colocar a questão de que, muito embora a religiosidade nos torne vulneráveis a pensamentos distorcidos, ela não é a causa deles.

Vejamos… Temos a Condessa Elizabeth Báthory que se banhava em sangue no século XVI… Mas estou procurando algo mais… Comum. Um tipo de comportamento que seria comum para a época, ou melhor, que era aceito normalmente. Como as feiras em que jogavam gatos no fogo para a multidão se divertir vendo-os queimar ou as execuções de bruxas em praças públicas que acho que ainda aconteciam no século XVI. Porque assim posso falar em como nossa civilização melhorou. Vejo muita gente falando que nós fracassamos como seres humanos e isso é simplesmente errado… Nós temos um passado terrível do qual nos afastamos paulatinamente ainda que persistam terrores… dessas… épocas…

Aha! Um criminoso que parece agir por inspiração religiosa, mas que pretende extirpar da nossa espécie os genes que nos tornam capazes de atrocidades como as que víamos no século XVI.

Será que dessa vez consigo fazer uma mulher vilã… Não gosto muito de fazer isso, mas acho que temos que experimentar todo tipo de personagem em todo tipo de papel.

Já tenho quase tudo na cabeça! Uns 15 minutos atrasado, mas acho que dá para recuperar o tempo perdido…

O conto começa no século XVI em um banho de sangue público, passa para os tempos modernos, uma universidade talvez, uma professora falando brilhantemente sobre a semente do mal na humanidade, um investigador vindo pedir a ajuda dela para um caso de assassino em série que vem fazendo cada vez mais vítimas: matou apenas uma pessoa, depois 3, depois 2, depois 5…

Hummm… Ela ser a criminosa é muito óbvio, talvez uma aluna dela, o próprio policial, ou a aluna é quem descobrir… que ela é a criminosa? Um confronto entre duas mulheres inteligentes. Uma representando a razão e a outra a perda dela? Não pode ser a professora pq sempre acho que isso é um tipo de crítica à busca do conhecimento “Viu? Quem busca ir além do saber comum fica maluco, vira um cientista maluco”.

Pausa para as ideias fermentarem… [9:04]

[9:22] Meu conserto de tomada funcionou. A roupa ficou pronta e aproveitei para pensar enquanto pendurava. Como sempre tenho uma boa ideia do caráter dos personagens, do começo e de alguns pontos chave, o resto vamos ver se desenvolver enquanto escrevo.

Imagem

A Morte de Jean Calas (1792) – Wikipedia