Essa semana saiu um relatório do IPEA sobre a tolerância social à violência contra as mulheres (lê lá para se informar).

Dezenas de longos comentários e artigos apareceram nas minhas tilmelines, centenas de pessoas só no meu espectro de contatos se revoltou ao ver que 65% das pessoas ainda acham que as mulheres podem ser responsabilizadas pelo estupro.

É revoltante deparar com um número desses. Nos faz lembrar de como é comum ouvir coisas similares vindo das pessoas à nossa volta. Familiares, amigos de amigos e, infelizmente, amigos.

Vejo muita gente que gritou indignada nos últimos dias, mas vejo fazer pouco da periguete que não sente frio, criticar a roupa de garota de programa que muitas mulheres jovens usam, o jeito de se oferecer aos homens, de banalizar e transformar os próprios corpos em objetos.

Fiquei sem saber como dizer o parágrafo acima sem magoar vários amigos e amigas próximos. teria que escrever um outro texto do tamanho desse post para tentar explicar, então decidi deixar só aqui e vou falar com eles pessoalmente (por chat e Skype durante uma raid no WoW também é pessoalmente, ok?)

O que acabei comentando no Facebook foi o que segue.

Independente de como um homem ande pela rua ninguém diz que ele quer ser estuprado ou agredido.

Se é uma mulher ou tem algum trejeito que sugere que pode ser gay então a pessoa passa a ser vista como alguém que pede por algo.

Esses são claros exemplos de preconceito.

Preconceito quase sempre é fruto de uma série de características deploráveis como inveja, ódio, incapacidade de se colocar no lugar dos outros, arrogância e muitas outras.

Uma das coisas que podemos fazer é deixar claro que há poucas humilhações piores que demonstrar preconceito: a pessoa já é desprezível por ser preconceituosa. Devia saber disso e esconder.

Empatia, compaixão, humanismo são grandes causas para mim, mas não sei bem como comentar a recente pesquisa que retrata a extensão do preconceito contra a mulher em nossa sociedade (link lá no primeiro parágrafo).

Apoio e quero participar de quase todos os protestos, mas acontece que me falta um elemento que acho importante: para onde estamos indo?

Hoje o preconceito é igual, maior ou menor que há 10, 30, 70, 100 anos?

Vamos no caminho de segregar as mulheres em vagões exclusivos no metrô e burcas ou da criação de meios para punir os preconceituosos e educar a sociedade?

Nossas escolas, famílias, crenças e arte atuam no sentido de expandir os horizontes das crianças mostrando-lhes que meninos podem ser bailarinos, pais, cozinheiros e que podem chorar? Que meninas podem ser heroicas arquólogas , neurocirurgiãs, astrofísicas e não precisam ser frágeis?

A pesquisa é uma fotografia, mas de onde viemos? Para onde nossas ações estão nos levando? O que cada um de nós pode fazer para ajudar a mudar um pouquinho tudo isso?

Isso foi o que ficou por lá, mas tem muito mais que precisa ser dito.

Ontem mesmo eu vinha andando pela rua observando que acho que as pessoas negras tem cara de pobres.

Estou sempre observando meus próprios preconceitos, mergulhando em meus pensamentos e sentimentos para entendê-los cada vez um pouco melhor (hábito desenvolvido em uma infância sofrida que um dia comentarei).

Mesmo assim ainda não tinha me conscientizado desse foco de preconceito em mim mesmo.

Eu não acho que uma jovem vestida de forma extremamente provocante é uma pessoa fútil pensando em sexo. Não acho que uma senhora perua é nada além de uma pessoa que tem aquele gosto estético. No entanto ainda associo a cor das pessoas e um pouco da sua forma de vestir a um rótulo “pobre” que carrega junto um pacote de características ruins.

Estou assumindo o meu preconceito porque creio que a maioria das pessoas que me conhece ficará chocada em saber que eu tenho esse tipo de preconceito.

Assumo pois é inevitável que quase todos nós sejamos vítimas de alguns preconceitos. Estamos inseridos em uma cultura e toda cultura tem preconceitos.

E isso deve ser dito pois escuto sempre o argumento de que as vítimas de preconceito também são preconceituosas: gays tem preconceitos contra gays mais explícitos (pode ser nos gestos, nas roupas, no jeito de falar). Mulheres tem preconceito contra outras que se vestem de forma mais provocante (a maioria das pessoas entrevistadas pelo IPEA era mulheres) e por aí vai.

Isso é usado como um argumento a favor do preconceito. “Se quem é vítima também tem então é porque ‘aquilo ali’ é mesmo digno de preconceito”.

Todavia esse é um pensamento falacioso. A vítima de preconceito não é um ser estrangeiro que vem de outra cultura livre dos preconceitos. Se elas não “comprassem” o preconceito ele desapareceria em pouco tempo.

Se as mulheres que são esfregadas, assediadas de formas desagradáveis, diminuídas e espezinhadas pelos outros não se achassem culpadas de estar ali, de serem mulheres, elas reagiriam, denunciariam e não estariam sozinhas.

Ainda outro dia uma amiga falou do seu desconforto no metrô atualmente mais cheio que os ônibus onde os homens fazem questão de passar se esfregando nas mulheres. Não tem vagão de mulher para todo mundo!

Ela não reclama. Prefere evitar o metrô nos horários de pico. Ela não reclama pois, se reclamar tem receio das outras pessoas olharem para ela e dizerem “mas você pinta o cabelo de vermelho”, “mas você tem tatuagem”, “Sua blusa deixa ver seus ombros nus”.

Podemos fazer muita coisa para acabar com o preconceito contra as mulheres e creio que uma das coisas mais importantes que podemos fazer é observar e admitir nossos próprios preconceitos. Eles estão lá! Não se enganem!

Devemos apontar aos amigos os preconceitos deles também, mas eles terão muito mais facilidade de ver onde estão os ódios e recalques deles se os mostrarmos em nós mesmos. Essa é uma primeira porta para a consciência de nós mesmos que facilita muito quando o que temos que encarar à algo tão horrível quanto nossos próprios preconceitos.

Para os casos patológicos já é outra história. Quem tem orgulho de ter ódio dos outros… Bem, isso é assunto para outro post.

Imagem ilustrativa do post

Lyra Língua de Prata e Iorek Byrnson, o Urso de Armadura da obra Fronteiras do Universo, de Philip Pullman. Lyra é um exemplo de personagem feminina forte.

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