– Aeroporto Tom Jobim, pode ser?

– Claro, vamos lá! Já liguei o ar aqui para dar um grau. Por onde vocês preferem ir? Vamos pela Lagoa pegando aqui pela Bolivar, certo?

Já estava tudo pronto na cabeça dele, só me restava dizer “certo, está bom”. E lá fomos.

Eu devia ter imaginado. Quem já entra assim de sola com tudo engatilhado esperando só uma chance para começar a desfiar seu papo muitas vezes guarda uma colcha de retalhos na boca.

Tudo começou com a qualidade do carro. Quase 200 mil km rodados, mas parece novo “olha só esse motor! Sou eu que cuido!” e acelerava nos colocando em estado de alerta. Como se a vida na cidade grande não nos deixasse tempo suficiente em estado de alerta.

Trinta quilômetros depois ele ainda voltaria a falar em como o carro dele é bem cuidado, mas no meio enveredou por outros retalhos da sua vida.

“Tenho essa filha de 16 anos, na verdade não é minha, é da minha quarta mulher, quer dizer, tenho quatro, mas só essa é esposa mesmo, mas a menina só fica naquela máquina. Para mim aquilo é do capeta, não entendo, odeio, já disse, tira a Internet dela! A menina não quer saber de nada, comprei um monte de livro, tá em escola particular, não vejo ler UM livro! Só fica lá na Internet falando com quem nem sabe quem é. E tem um namorado de 22 anos, já se perdeu com ele, garoto até bom, tá na marinha, mas vai se formar, conhecer mulheres mais velhas, mais experientes e vai deixá-la…”

Antes disso tivemos que suportar o que vinha antes da colcha de retalhos, a fronha de retalhos… A esposa a quem ele dá 1.800 reais todo mês e que faz animação de festa, mas ganha 60 reais todo dia dele para não fazer nada, ou pelo menos é o que ele diz. E reclama que por esse dinheiro arranja mulher a hora que quiser, que mulher só quer dinheiro (e minha esposa sentada ao meu lado).

“Nós somos da igreja, sabe? E a mulher fica dizendo que Deus protege, que Ele vai acertar a menina, que não preciso gastar dinheiro com o seguro do carro porque Deus não vai deixar nada acontecer. Ele cuida, mas a gente tem que fazer nossa parte! Nossa parte é o seguro é proibir a menina de ficar na Internet”

Nós lá no banco de trás pedíamos socorro pelo Twitter, um amigo sugeriu “pede silêncio para rezar”, mas vai que o sujeito começa a gritar “Manifesta Jesus! Manifesta!” a altos brados e começa a seguir reflexos do sol no vidro dos carros da frente? Achamos melhor ficar no “aham!” e nos “Nossa!”.

Para nossa sorte o trânsito estava ótimo, foram pouco mais de 20 minutos até saltar do veículo, mas não sem antes ouvir os retalhos da fiscalização de táxis “porque a SAMU sempre foi séria, não aceita propina não. Meu carro tá todo certinho e… Olha lá ela! A blitz! Já parou o garotão ali, vai lacrar o carro, deve estar irregular…”

Contando agora não sei por que não achamos divertido na hora, talvez porque gostamos de estar juntos, de conversar e de escolher quando vamos compartilhar as colchas de retalhos dos outros… Se ao menos ele estivesse querendo ouvir opiniões, mas aquilo era uma cornucópia de desabafos… Desejo sorte para a pobre menina e para a próxima esposa…