Coitado do cara, olha, vão evangelizar ele… Tá vendo ali? Um rapaz e uma moça com Bíblias nas mãos…

Olhei e vi o quiosque cercado de cadeiras, fazia um calor horrível na praia, mas a atmosfera parecia meio fosca como se fosse um dia frio. A atmosfera anda estranha.

Lá estava o cara sentado, meio refestelado para ser mais preciso. Olhava displicentemente para as ondas e a movimentação na areia.

“Náo é um cara” eu informei para o meu amigo que me olhou com as sobrancelhas cerradas que já diziam sem palavras que ele estava me achando meio louco. É claro que era um cara ali sentado-refestelado na cadeira. Mas não era, eu logo o reconheci. Pobres religiosos…

“O senhor precisa se vestir da couraça de Deus Irmão!”

Sem olhar para eles o cara mostrou uma cadeira convidando-os a sentar.

“Tá vendo ai na areia irmão? Tudo perdição, tudo pouca vergonha! Aqui na Bíblia está tudo explicadinho como esse pessoal todo vai pro inferno, o senhor não vai querer ir para o inferno!”

“Ainda não tinha pensado nisso… Inferno, né?” Agora ele fitava os dois com o olhar curioso de um cão esperando pelo biscoito, ou talvez um gato prestes a caçar seu novelo de lã. “Como se veste a couraça de Deus?”

“Ah! O senhor precisa aceitar que ele morreu na cruz para nos salvar! Jesus Cristo, nosso Deus! Ele se ofereceu em holocausto para nos livrar de todos os pecados do passado e do futuro!”

Só então notei que ele tinha um coco na mão. Sugou um pouco da água lá de dentro e continuou… “E depois, faço o quê?”

“Isso é o mais maravilhoso, irmão! Mais nada! Basta aceitar Jesus como seu salvador e evangelizar outras pessoas! Quem honrar em voz alta o nome do nosso senhor será salvo! Afinal não é por nossas obras, mas pela graça do Senhor que somos salvos!”

“Sei… Não adianta ser bom? Certo? Se for mal e aceitar de coração que Jesus morreu para pagar pelos meus pecados então estou livre? É assim?”

“Isso irmão!”

Ele colocou o coco de lado olhou para eles e disse que então estava bem, que ele na verdade nunca teve dúvida que Jesus tinha se oferecido em sacrifício para pagar pelos pecados do mundo.

Parecia uma criança brincando com os amigos. Tchau! Vão com Deus! E lá foram os evangelistas todos felizes!

Achei aquilo uma afronta! Fui sentar ao lado dele, meu amigos sem entender nada.

“Sacanagem! Comigo você vem cheio de marra! E com os caras você é todo simpático? Eu sei que você não acredita em nada daquilo!”

Sei lá como o coco dele estava de volta à sua mão cheio e soltando fumacinha de tão gelado. Fico esperando ele dar satisfações.

“Você sabia que a melhor coisa para o mundo moderno é a injustiça social e os políticos ditos corruptos?”

“Hã? Tá maluco??” Tenho vontade de pular no pescoço dele, mas sei que não teria a menor chance.

“Viu? Você também não está pronto para certas verdades! Pode beber o resto…”

Ele me deixa com o coco na mão e se envolve em um jogo de vôlei com umas meninas. Dou uma bicada e nem me surpreendo ao notar que é um vinho branco de raro sabor.