Eu tinha um melhor amigo em Cabo-Frio. Isso foi há 30 anos.

Lembro das salinas com seus quadrados cheios de água extremamente salgada e aquele limo vermelho esquisito. Tinha pequenos morrinhos de sal, mais ou menos da nossa altura, onde fazíamos cavernas até os dedos racharem. Ah! E tinha as vezes que subíamos as enormes montanhas de sal com um alto custo para os nossos pés descalços.

O tempo apaga muitas memórias, mas ontem escrevi algo sobre câncer, lembrei desses tempos e um imagem leva a outra…

Tinha a Mônica que nem sei se era nome ou apelido pois ela era dentuça e forte, o Ivan que os pais deixavam sozinho quase todo tempo e, apesar de rico, geralmente comia pão com manteiga e açúcar que ele mesmo fazia… Tinha também a casa mal assombrada, o dragão que fazia um gêiser entre a praia das Conchas e do Peró.

E tinha também o Júnior, o meu melhor amigo da época. Talvez tenha sido com ele que aprendi a visão religiosa irreverente.

Um dia, ao redor da grande mesa marrom escuro da minha casa a gente estava falando em religião, um monte de crianças com seus 12 ou 13 anos… O Júnior afirmava categoricamente que Jesus era mulher afinal o Cristo Redentor usava saias! Depois de ser pressionado pelos coleguinhas ele finalmente falou “Vai lá e levanta a saia dele para ver!”

Ali naquela imensidão de ruas, lugares secretos e caminhos escondidos a nossa galera era meio Indiana Jones e o Júnior um dos aventureiros mais destemidos.

Um dia ele começou a ficar mais magro e a próxima lembrança que tenho, a gente só se via mesmo nas férias, já é dele sem cabelos, aquela cabeça totalmente lisa e branca. ele parecia um alien sorridente pois, até onde minha memória alcança, ele nunca perdeu o humor.

No verão seguinte ele já não apareceu escondendo-se para sempre apenas entre as nossas histórias e devaneios… Acho até que há um bocado dele no Gato de Botas

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